Abril, liberdades mil... {2}

 


O que vale mais: arte ou vida?

Just Stop Oil é um grupo ativista ambiental que se proclama como uma união não violenta e não hierárquica de desobediência civil com o objetivo de erradicar o licenciamento e a produção de novos combustíveis fósseis. Esta organização foi criada a 14 de fevereiro de 2022 no Reino Unido e desde então tem protestado persistentemente até obter sucesso.

Este grupo é muitas vezes criticado devido aos seus métodos que envolvem maioritariamente o bloqueio de estradas e vandalismo. Estes criam não só distúrbio na vida quotidiana da população como levantam também questões inerentes à filosofia política relativas à desobediência civil. Isto acontece quando, por exemplo, os manifestantes, ao utilizarem a destruição de obras de arte mundialmente reconhecidas como forma de manifestar o seu ponto de vista, nos fazem refletir sobre até que ponto o seu comportamento é desejável a nível ético, cultural e político.

O conceito de desobediência civil pode ser observado em diferentes momentos da história, por todo o globo, em ações coletivas com o intuito de se defenderem as mais diversas causas. Porém, de acordo com John Rawls, um protesto só pode ser caracterizado de tal forma caso seja um movimento de contestação organizado, minoritário e persistente com o objetivo de alterar uma lei vista como injusta, pontualmente, por um número significativo de pessoas, que atue de forma não violenta e aceite as consequências políticas das suas contestações. Normalmente, estes protestos têm início quando nenhum outro método de contestação legal teve sucesso e/ou quando o tempo de atuação disponível é escasso. Just Stop Oil não sendo exceção, começou com o objetivo de alertar a população para o perigo da utilização massiva de combustíveis fósseis e de como o governo britânico mantém o uso abusivo desta fonte de energia.

Como mencionado anteriormente, esta organização é reconhecida pelos seus atos de vandalismo que incluem colar o corpo a molduras de pinturas expostas em galarias, atirar tinta laranja a edifícios significativos, interromper momentos de cultura e eventos de desporto e atos de vandalismo contra obras de arte mundialmente aclamadas. Um dos momentos mais marcantes do Just Stop Oil foi quando a jovem ativista, Phoebe Plummer, perguntou: “O que é que vale mais: arte ou vida?” após atirar sopa à célebre pintura “Doze Girassóis numa Jarra” de Van Gogh. Esta situação faz-nos questionar até que ponto é que a justiça e liberdade dentro de um movimento de resistência civil se deve estender e até onde é que este tipo de ações são justificáveis e desejáveis como forma de chamar a atenção sobre um tema.

No meu ponto de vista, a luta por uma causa, mesmo sendo de elevada importância e urgência, nunca deve incluir a destruição de património exterior ao problema inerente. Penso que esta conduta desrespeitosa, ainda que simbólica, face aos objetos artísticos não é justificável principalmente quando o artista não apresenta ter qualquer tipo de impacto face ao problema contestado sendo o seu nome usado apenas como um meio para dar mediatismo “fácil” à causa. Tendo em consideração o quão importante é a atenção pública, durante um movimento de desobediência civil, considero que é preciso ter outros fatores em conta como por exemplo a opinião dos cidadãos que, ainda que partilhando os mesmos pontos de vista, se sentem constrangidos e acabam por não apoiar o projeto. Acredito ainda que o vandalismo, ao dar uma conotação negativa ao protesto, desvia a atenção da causa inicial, levando o foco do debate para a conduta dos ativistas e deixando de dar ênfase ao problema central.

Em síntese, penso que os movimentos de desobediência civil são politicamente corretos apenas até um certo ponto, pelo que não apoio a lesão de arte em nome de um problema que lhe é alheio. A meu ver, não é eticamente correto um artista ter a sua arte destruída nem o público, que somos nós todos, ser privado de obras que proporcionam beleza e qualidade de vida espiritual.

                                                                              Beatriz Felizardo, novembro de 2023



Responsabilidade Ambiental: Filosofia e Mudanças Climáticas

O tema das mudanças climáticas tem vindo a ganhar cada vez mais fama, porque cada vez mais a ciência indica uma ligação direta entre as ações humanas e as transformações no clima global. Neste texto, procuramos explorar filosoficamente a ideia de que as alterações climáticas e as suas causas podem limitar os direitos e liberdades das gerações futuras, examinando os aspetos filosóficos envolvidos na responsabilidade das atuais gerações perante estas mudanças.

No centro desta argumentação filosófica está a ideia de que os direitos e liberdades fundamentais das gerações futuras estão diretamente ligados ao ambiente em que vivem. A tradição filosófica ambientalista, destaca a importância de uma ética orientada para o futuro, que reconheça o valor intrínseco da natureza e busque preservar as condições que tornam possível a existência humana. Ao considerarmos as alterações climáticas como resultantes das ações humanas, podemos argumentar que não nos importarmos com a redução dos impactos ambientais é prejudicar o ambiente que as gerações futuras herdarão. Este problema não só limita o acesso a recursos naturais essenciais, mas também cria condições de vida adversas, comprometendo a saúde, a segurança e a qualidade de vida das futuras gerações.

A filosofia dos direitos humanos diz-nos que as alterações climáticas representam uma limitação aos direitos fundamentais. O direito à vida, à saúde e à liberdade são afetados quando o ambiente natural essencial para sua garantia é degradado. Além disso, o princípio da equidade entre as gerações, presente em várias correntes éticas, destaca a obrigação moral de considerar o impacto das nossas ações nas gerações futuras.

A abordagem utilitarista também se alinha com esta perspetiva, ao ponderar as consequências a longo prazo das decisões presentes. A maximização da felicidade para as gerações futuras ficará comprometida se as alterações climáticas não forem enfrentadas de maneira eficaz, uma vez que o meio ambiente desempenha um papel crucial na determinação do bem-estar humano.

Em resumo, fundamentar filosoficamente que as alterações climáticas e suas causas representam uma limitação aos direitos e liberdades das próximas gerações é uma tarefa que que podemos, simultaneamente, justificar recorrendo a correntes éticas diferentes. Desde a perspetiva ambientalista até à abordagem dos direitos humanos e ao ponto de vista utilitarista, a argumentação filosófica conduz-nos à ideia de que a responsabilidade em garantir um ambiente sustentável não é apenas uma questão prática que assegurará os interesses de sobrevivência das populações, mas é também uma obrigação moral face à humanidade.

        Perante os desafios globais impostos pelas mudanças climáticas, acho é importante adotarmos uma postura ética e responsável em relação ao meio ambiente, pois isso muda a nossa vida e também a das gerações futuras. Acho também que a filosofia desempenha um papel crucial ao dar-nos as justificações de natureza moral necessárias para orientar a ação coletiva que precisamos de desencadear para podermos ter um futuro sustentável e equitativo em termos geopolíticos. 


                                                                             Afonso Baldaque, novembro de 2023




Gritos de socorro


Em Portugal, no ano de 2022, foram mortas 28 mulheres, das quais 22 em contexto de intimidade. Será isto um alerta para a situação das liberdades e dos direitos dos portugueses? Talvez estes números sejam considerados comuns nos dias de hoje. Se assim for, será que este comum a que nos fomos habituando é o correto?

Falarei no caso específico de Portugal, mas primeiro penso que devíamos atentar nalguns dados globais sobre este mesmo assunto. Segundo a UNODC (United Nations Office of Drugs and Crime), no ano de 2020, cerca de 47.000 mulheres em todo o mundo foram mortas por parceiros íntimos ou outros membros da família. Isto significa que, em média, uma mulher é morta por alguém da sua própria família a cada 11 minutos. Ao analisarmos mais profundamente, pelas taxas de homicídio por parceiro íntimo/ relacionado à família por 100.000 habitantes femininos, o continente mais problemático é a África, seguido da Oceânia, das Américas, da Ásia e por último, da Europa.

Ora, ao recebermos esta e outras informações que nos chegam diariamente, há uma tendência para se pensar que Portugal apresenta valores razoáveis, pois, fora da Europa, a situação é muito mais grave. No entanto, o facto de haver pior, não significa que se esteja bem, muito pelo contrário. Mesmo que se considere os dados relativos a Portugal como reduzidos, estes não deixam de representar apenas o extremo. Só vemos a ponta do iceberg e só nos apercebemos do seu verdadeiro tamanho quando colidimos com ele.

Estas 28 mulheres de que falamos, perderam a vida, mas quantas mulheres sofrem todos os dias física e psicologicamente? Quantas mulheres terão de perder a vida para nos darmos conta de tantas outras que passam por situações de violência e abuso diariamente?

É necessário haver uma maior sensibilização quanto a este assunto, pois sinto que se trata de uma situação banalizada, quando não o devia ser. Além disso, é difícil sair de um caso de violência ou de abuso, devido a vários fatores, como psicológicos, sociais ou até financeiros, mas principalmente, por o agressor ser alguém por quem a vítima tem, ou pelo menos teve, tanto carinho.

Considero a violência de género, doméstica ou no namoro (e na verdade, qualquer outro tipo de violência), atos completamente injustificáveis e que devem ser, sem dúvida, punidos. Isto porque, quer se tenha nascido homem ou mulher, nasceu-se humano e, assim sendo, todos devíamos usufruir dos mesmos direitos e liberdades, desde que sejam conciliáveis com os direitos e liberdades dos outros. Assim, julgo que a raiz do problema se prende com casos de diferença de género, como a disparidade de salários ou a pouca representação política ou desportiva, entre outros, que são ainda hoje, comuns na sociedade portuguesa, e que promovem a inferioridade da mulher.

Para concluir, os dados apresentados, são um grito de socorro das mulheres portuguesas que, infelizmente, é abafado por tantos outros gritos à volta do mundo. 


Sofia Rodrigues, novembro 2023




Até que a morte nos separe 

(Uma reflexão sobre a Violência Doméstica em Portugal)

A violência doméstica é um problema crucial em todo o mundo. Somente em Portugal, 22 mulheres foram mortas num contexto de intimidade no ano de 2022, número que expõe as falhas que temos na defesa das nossas liberdades fundamentais. Esta questão marca a necessidade de uma reflexão mais profunda acerca das normas sociais que promovem tais atos.

O direito à segurança fica comprometido ao permitirmos que a violência persista sem que consigamos erradicá-la ou reduzi-la visivelmente.

Ao estabelecer um contrato social hipotético entre todos os cidadãos, o Estado tem como dever assegurar este e outros direitos como invioláveis. No entanto, o seu envolvimento também pode ser considerado uma invasão da liberdade individual que reside na privacidade da vida familiar, semelhantemente à crítica que Nozick dirige à “Teoria da Justiça” de Rawls. Ora, no meu ponto de vista esta crítica não se aplica, já que a proteção de vários direitos (e liberdades) também eles individuais destrona a sobrevalorização da privacidade.

Além do mais, é preciso conciliar uma estratégia preventiva com uma estratégia corretiva. O Estado deveria proporcionar apoio às vítimas de violência doméstica, em vez de se sustentar para esse efeito, em organizações privadas. Há quem contra-argumente com a probabilidade de o Estado poder ser explorado no seu papel assistencial. Ora, penso que não se justifica erradicar completamente um sistema que beneficia o bem comum, pelo receio de que o Estado se torne cativo das más intenções de uns poucos.

Embora se idealize e elabore legislação repressora/dissuasora do crime público que é a violência doméstica, nem sempre se consegue, na prática, sarar esta chaga social. O número “22” é excessivamente alto para que se possa sentir que o sistema judicial cumpre a sua função.

Em suma, Portugal, como muitos outros países, enfrenta desafios na identificação das causas elementares da violência doméstica. Fatores socioeconómicos e expectativas culturais, que reproduzem geracionalmente normas antiquadas nas relações de género, desempenham um papel vital na formação de atitudes e comportamentos dentro das relações interpessoais. A sua permanência contribui para desequilíbrios de poder, sustentando inúmeros ciclos de abuso. Posto isto, o preconceito e a falta de sensibilização afastam frequentemente as vítimas de procurar ajuda, sendo necessárias iniciativas educativas para contrariar estes preconceitos destrutivos de indivíduos e de famílias.                                                                                                                 

                                                                                Gonçalo Guimarães, novembro de 2023




“(des)ordenado”


O problema que venho expor e abordar foi noticiado pela TSF (Rádio Notícias) no passado dia 18 de outubro. Após indagação sobre o assunto, chegou-se à conclusão de que, neste momento em Portugal, as mulheres ganham, em média, menos 16% do que os homens. Quando questionada relativamente à justiça desta realidade, não ponho sequer “em cima da mesa” a hipótese de ser de facto justo ou sequer aceitável. Na verdade, pensei durante muito tempo, se calhar por meio de uma certa inocência, que era uma verdade absoluta - e até senso comum! - que não seja de facto justo.

No entanto, não é este o paradigma com que me deparo, não só a nível nacional como no mundo em geral, e, não querendo invalidar o direito de opinião de qualquer indivíduo, tentarei desta forma justificar a minha posição. Vejamos, – e este exemplo é recorrente na vida das mulheres portuguesas – trabalham, na mesma empresa, um homem e uma mulher. Prestam serviços idênticos com uma eficácia idêntica. No entanto, o homem recebe mais 10% (exemplo não calculado) do que a mulher, pelas mesmas horas de trabalho. Realmente, para mim basta este cenário para que não me pareça justo ou aceitável mas é possível simplificá-lo, de forma que aqueles que não partilham esta linha de pensamentos se encontrem “encurralados” por lógica básica. Imaginemos que são dois homens a trabalhar nessa mesma empresa, e que a situação é a mesma em termos de serviços, qualidade, eficiência, e horas de trabalho. Recuso-me a acreditar que alguém consiga encontrar uma explicação plausível para que um deles receba uma remuneração superior ao outro.

E aqui é que encontramos a questão a que parece impossível responder: porque é que todos parecem considerar descabido que aconteça entre dois homens, mas nem todos consideram totalmente inaceitável que o mesmo aconteça entre indivíduos de sexo oposto? Serão todos uns fanáticos por biologia, que tenham chegado a uma conclusão à qual os melhores investigadores do mundo nunca chegaram? Será que acreditam que um cromossoma afeta a forma como um ser humano deve ser tratado? Será que, nas suas mentes fechadas e conservadoras, lhes pareça o fim do mundo que uma mulher, quando lhe é dada a oportunidade, seja capaz de não só chegar aos pés do homem, como de muitas vezes ter um sucesso superior a este? Será que é a fisionomia que os incomoda, ou é uma palavra num cartão de cidadão que tira às mulheres toda a sua capacidade de trabalho merecedor de respeito e de justiça? Há muitas mais opções de resposta à primeira pergunta colocada, mas nenhuma é apropriada. Nenhuma faz sentido à luz do século XXI, onde a igualdade é tópico de discussão assíduo.

Assim sendo, e tendo clarificado o porquê de ser algo inaceitável e imperdoável, chegamos à segunda pergunta proposta neste texto: devia a autoridade para as condições de trabalho publicitar os nomes das empresas que praticam esta discriminação?

A meu ver, sim. Vejo a questão da desigualdade na remuneração como uma conduta fraudulenta. Não estou a querer dizer que deviam ir a tribunal as empresas, porque acredito – com muita pena - que os tribunais desde país não chegariam para tantos casos e existem assuntos de gravidade mais acentuada a ser debatidos pelos mesmos. No entanto, ao serem publicitadas estas discriminações, as pessoas começam a informar-se e, apesar de tudo, a acreditar no que leem, porque muitas vezes os números sem “rosto” não lhes são suficientes. Além disso, as próprias empresas ficariam sujeitas a uma pressão social muito maior, e estou certa de que isso e a procura de uma boa imagem para a marca as faria mudar, mesmo que aos poucos.

Apenas como nota conclusiva, peço àqueles que não se encontram convencidos para imaginarem isto ao contrário: uma realidade onde os homens tivessem sido oprimidos durante anos a fio, e impedidos de ter liberdades e direitos iguais aos das mulheres; quando finalmente começassem a progredir socialmente e a poder viver uma vida mais livre e independente, a opressão nunca mais terminava. A opressão disfarçava-se, continuava a ver-se todos os dias em quantidades menores do que anteriormente, mas continuava, sempre. Parece-vos absurdo, eu sei.

                                                                                     Íris Redentor, novembro de 2023



Sistema público de saúde? Porquê? Uma lista de razões…


          Sim, o Estado deve oferecer aos cidadãos um sistema público de saúde. Essa é uma obrigação fundamental para garantir o bem-estar e a qualidade de vida de todos os indivíduos de uma sociedade.

Primeiramente, é importante ressaltar que a saúde é um direito básico de todos os seres humanos, não apenas pela questão ética (o direito individual de preservarmos a vida e a integridade física e psicológica) mas também pela necessidade de a sociedade, através do Estado, garantir a igualdade de oportunidades e o acesso equitativo aos serviços de saúde. Ora, um sistema público de saúde é a única forma de garantir que todos os cidadãos, independentemente da sua condição socioeconómica, tenham acesso a serviços médicos e cuidados básicos. Isso inclui desde exames preventivos, vacinação, consultas médicas, tratamentos e internamentos hospitalares.

Além disso, um sistema de saúde que seja público /coordenado pelo Estado é a melhor forma de lidar com problemas de saúde pública que afetam a sociedade como um todo. Doenças contagiosas, epidemias e até mesmo pandemias podem ser mais facilmente controladas através de um sistema público de saúde que seja capaz de fornecer tratamento adequado a todos os cidadãos, independentemente de sua condição financeira.

Outro importante aspeto é que um sistema público de saúde é mais eficiente no controle de custos. Com a capacidade de utilizar recursos públicos de forma planeada, é possível negociar preços mais baixos para medicamentos, equipamentos e serviços médicos em geral e, além disso, pode investir em programas de prevenção de doenças e promover uma maior conscientização sobre os hábitos de vida saudáveis, reduzindo assim os gastos com tratamentos médicos e hospitalares.

É claro que um sistema público de saúde enfrenta desafios como financiamento insuficiente e problemas de gestão, mas isso não é motivo para negar a importância de sua existência. Os problemas enfrentados devem ser encarados como oportunidades de melhorar e aprimorar o sistema, em vez de justificar sua inexistência.

Outro ponto muito importante é que se os cidadãos pagam impostos que devem ser utilizados para lhes garantir condições básicas de existência então penso ser consensual que a saúde uma delas, se não mesmo a primeira.

Em suma, um sistema público de saúde é fundamental para garantir o direito à vida e à saúde de todos os cidadãos e considero que é uma responsabilidade do Estado fornecer um sistema acessível, eficiente e de qualidade, pois isso não apenas beneficia os indivíduos, mas também contribui para a melhoria da sociedade como um todo.

                                                                               Miguel Lameiras, novembro de 2023




O Estado como um agente promotor de uma vida digna para todos.

       A questão formulada é se o voluntariado e as instituições caritativas serão a resposta adequada para a desigualdade social ou serão apenas uma maneira de desviar a atenção da ineficiência do Estado perante os problemas do país?

      Será que instituições de iniciativa privada como C.A.S.A., AMI e outros, deveriam o acesso à alimentação e aos bens-essenciais, por exemplo, dos sem-abrigo ou devia ser o Estado a assumir a obrigação de assegurar as suas necessidades?

       As ações para a satisfação de necessidades básicas dos sem-abrigos englobam a disponibilização de cantinas sociais, refeitórios, balneários, acesso a tratamento de roupas e higiene pessoal, acesso a medicação, apoio em vestuário, mas também a intervenção das equipas de rua e apoio financeiro, e a maior parte destes apoios são garantidos por estas instituições.

       Um dos temas mais discutidos atualmente - o aumento do custo de vida não proporcional aos rendimentos é um dos principais fatores para o aumento a que assistimos de pessoas sem-abrigo. Estes até podem trabalhar e/ou ter rendimentos, mas não o suficiente para pagar, por exemplo, a habitação, o que os faz viver nas ruas. Os EUA são atualmente considerados um dos países mais ricos do mundo, mas mesmo nos países como este, verifica-se um grande número de pessoas sem abrigo (cerca de meio milhão de pessoas) ou de pessoas que estão em risco de ficarem sem abrigo, porquê? O crescente custo de vida nas economias em ascensão, combinado com a escassez de habitações tem levado cada vez mais pessoas a verem-se sem casa. Mas, também problemas psíquicos (alguns desenvolvidos durante a sua vida como os vícios no álcool, drogas e etc.) já identificados em pessoas sem-abrigo, são os principais causadores da falta de competências em controlar subsídios que possam vir a receber e até em organizar as suas próprias vidas. Neste aspeto, enquanto não se tratarem os problemas mentais, não se resolve o problema de muitos dos sem abrigo.

       Assim, penso que devem ser garantidos, por parte do Estado, apoios sociais, ao nível de saúde física e psicológica, acesso a habitação e trabalho, tendo em vista a superação das dificuldades para que os mais marginalizados lutem para a melhoria da sua qualidade de vida e se integrem na sociedade. A área da saúde inclui todas as respostas identificadas ao nível dos cuidados de saúde primários, cuidados de saúde mental e outros cuidados de saúde especializados. O acesso a outros direitos sociais inclui dois tipos de apoio: apoio no acesso a prestações sociais e apoio na regularização de documentação, respostas fundamentais não apenas para a sobrevivência das pessoas em situação de sem-abrigo, mas também para a sua inserção social.

       Para concluir, considero que o Estado deve ter o papel principal em garantir aos desfavorecidos uma oportunidade de terem uma vida melhor, através da cobrança de impostos elevados àqueles que maior rendimento têm, redistribuindo pelos desfavorecidos através de serviços públicos como escolas, hospitais e acesso a tratamento médico Penso que não deve ser a falta de recursos a causa dos desfavorecidos não terem uma vida de qualidade como têm as pessoas que nasceram em famílias mais afortunadas, pois é injusto que fatores de que não são responsáveis influenciem as suas escolhas e o rumo da sua vida.

                                                                                          Nicole Soares, novembro de 2023



Heranças, Trabalho, Mérito, Tributação: como equacionar?

Será justo que heranças substanciais não paguem impostos? Porquê? É justo que as heranças sejam taxadas como a riqueza que é conquistada com trabalho e mérito? Porquê?

Num Estado social, como o nosso, a herança, mediante o seu valor monetário, e a riqueza adquirida por um indivíduo através do seu trabalho são sujeitas a taxas e impostos. As questões inicialmente colocadas pretendem que se reflita sobre se é justo, ou não, o Estado taxar as heranças e a riqueza adquirida pelo trabalho.

Qualquer Estado social recorre à cobrança de taxas e impostos como forma de distribuição equitativa da riqueza, proporcionando, assim, semelhantes oportunidades, liberdades e direitos a todos os cidadãos.​ Mas isso pode pôr em causa os valores de liberdade e igualdade.

Concordo que o Estado retire uma percentagem da riqueza de um indivíduo que é conquistada com o seu trabalho e mérito, pois, uma vez que este tem uma maior capacidade económica, poderá contribuir para auxiliar todos os outros, que também pagam impostos. Como consequência, isto contribuirá para o crescimento económico do país, já que facultará aos indivíduos com menos capacidade económica a possibilidade de adquirir bens primários para sobreviverem de forma digna, como o acesso a habitação, saúde, educação, cultura e lazer. Esta minha posição é, contudo, contrariada pelo liberalismo radical, que considera a cobrança coerciva de impostos um “roubo”, a que o Estado não tem direito, desde que essa riqueza tenha sido adquirida de forma legal. Mas o liberalismo radical não prevê que o ponto de partida de cada indivíduo pode não ser o mesmo (lotaria social), por isso, o Estado deve promover as mesmas oportunidades para todos.

Já no caso da herança, não considero justo que o Estado aplique taxas, uma vez que, muita da riqueza herdada, já foi previamente alvo de taxas por parte do mesmo. Por exemplo, os filhos de uma família de empresários, após a morte dos pais, herdam as suas empresas e bens, móveis e imóveis. Quer as empresas, quer os imóveis, quer os depósitos monetários já haviam sido previamente taxados antes da morte dos seus titulares. Neste caso, o Estado está a taxar duplamente, quando se trata apenas de uma transferência de titulares de riqueza. Isto acontece porque o Estado se assume como o último herdeiro legítimo na cadeia de sucessão de herdeiros, tendo, por isso, também, direito a uma parte, que utilizará, à semelhança do que faz com os restantes impostos e taxas. Contudo, isto retira a liberdade e o direito de o indivíduo escolher os seus herdeiros, ou seja, o Estado impõe-se como herdeiro, contrariando o princípio da liberdade igual, que se sobrepõe aos restantes: oportunidade justa e princípio da diferença (princípios da justiça).

Concluindo, concordo que o Estado cobre impostos para promoção da equidade, mas não concordo que o Estado se imponha como herdeiro legítimo, o que contraria o princípio da liberdade igual, ou seja, a liberdade sobrepõe-se à igualdade.


Pedro Silva Rodrigues, novembro 2023

 

                                                                                              





Será que a reivindicação dos professores pode estar a acima 

dos direitos e interesses dos alunos?



As ações de greve por parte dos professores estão a acontecer desde o início de 2023, mas será que a reivindicação dos professores pode estar acima das necessidades e interesses dos alunos?  

Para começar, pretendo dar algumas noções necessárias à compreensão deste problema. 

Porque é que os professores estão descontentes? O Sindicato Independente de Professores e Educadores opõe-se à medida de contratação direta de professores pelas Direções de cada escola assim como à sua vinculação nos quadros das mesmas, pois esta medida, que reforça a autonomia das escolas dando-lhes mais poder, implica que o concurso dos proponentes aos lugares deixa de fazer-se por seriação de classificações. O SIPE exige uma redução de anos de trabalho aos professores do regime de ensino de alunos com necessidades educativas especiais (36 anos de trabalho, independentemente da idade), redução da componente letiva (à medida que a idade avança), a recuperação total do tempo de serviço (congelado durante os tempos da “tróica”) e a possibilidade de o converter para fins de aposentação nos últimos escalões. 

Acontece que as greves e as manifestações são direitos constitucionais, descritos no Decreto-Lei n.º 392/74, Artigo 1º (onde é descrito o direito à greve) e no Decreto-Lei n.º 406 / 74, Artigo 2º (direito de reunião, onde estão descritas as manifestações). Estes direitos não são só constitucionais, sendo também descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde, no Artigo 20º, é descrito o direito à liberdade de reunião e associação pacíficos e no Artigo 23º é descrito o direito a um trabalho satisfatório e também à possibilidade de criação de sindicatos e de filiação nos mesmos, em prol da defesa dos interesses individuais.  

Mas, por outro lado, o direito à educação, também é mencionado no Decreto-Lei n.º 70/2021 e ainda na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 26º. Este direito é, aliás, descrito pela constituição, portuguesa como “direito fundamental. Sabemos que os direitos fundamentais são referidos como invioláveis, sendo uma das prioridades jurídicas defender os mesmos, enquanto os direitos culturais são definidos como tendo uma aplicação diferida, podendo ou não ser considerados direitos fundamentais, dependendo da situação e do direito em questão. Ora, em Portugal, o direito à educação, inserido nos direitos culturais, é reconhecido e garantido como um direito fundamental, face a qualquer situação. 

Com as greves dos professores, os alunos estarão a ser prejudicados, pois não têm aulas e por isso pergunto: “Será que a reivindicação dos professores pode estar acima das necessidades e interesses dos alunos?”. Penso que não, pois os alunos não têm culpa das medidas tomadas pelos governos do país, não podendo ser prejudicados pelas mesmas. Devo, no entanto, referir a minha posição perante a existência e possibilidade de greves e manifestações como concordante pois concordo com a necessidade de exprimir descontentamento, achando que estes direitos são indispensáveis para uma sociedade democrática e desenvolvida como a nossa. 

Tenho agora outra pergunta, que utilizarei como argumento para a minha tomada de posição perante este problema: “Poderão estes direitos, tanto o direito à greve e manifestações como o direito à educação, colidir?” Ou seja, será que podemos usar de um direito nosso, mesmo que este, consequentemente, prive outros de usufruírem dos seus direitos? Portanto, o que fazer nestas situações, onde o exercício do direito à greve e à manifestação por parte dos professores, priva os alunos de usufruírem do seu direito à educação?  

Eu acho que os professores deveriam prezar os direitos dos alunos, já que lhes é dada a responsabilidade do futuro do país, uma vez que os alunos serão os próximos médicos, advogados, professores... Por exemplo, se os médicos fizerem greve durante meses, à semelhança dos professores, e a saúde nacional estiver comprometida, causando várias mortes, estará a ser posto em causa o direito à saúde (que é um direito fundamental, constitucional e também um direito humano). Admito que este argumento por analogia usado seja uma hipérbole e consequentemente falacioso, embora não seja, de todo, falso. 

Recapitulando, na minha opinião nenhum direito pode ser violado, mas, podemos catalogar alguns direitos como fundamentais, sendo assim mais importantes. Nesta perspetiva, qualquer outro direito não fundamental que esteja a violar um fundamental “perde a força”, ou seja, se o direito à greve (direito não fundamental) estiver a violar o direito à educação (direito fundamental), então o direito à greve passa a ser um direito secundário por oposição ao primeiro, pois este não é tão importante como o direito à educação. Deste modo ninguém é prejudicado, pois as manifestações e protestos podem continuar a existir com a salvaguarda de que não irão prejudicar nenhum aluno. Sendo assim e em função das situações, admito a existência de direitos dispensáveis ou menos importantes, face a direitos fundamentais que, estes sim, não podem ser desrespeitados.  

                                                                                                          Vasco Alves, novembro de 2023



As decisões que constroem aos poucos a teia da nossa vida 

Já alguma vez foram a uma exposição? De arte, quero eu dizer... Se sim, já alguma vez saíram e se sentiram revoltados, ou inexplicavelmente tristes, ou até, irreversivelmente apaixonados? Bem, a verdade é que esse sentimento, essa sensação dentro de nós não é fruto de determinada peça de arte, a peça de arte é que é fruto dessa tal emoção que existia no seu criador e que lhe deu vida. Não foi criada com o propósito de ser bela ou feia, pesada ou leve, grande ou pequena, todas estas suas características foram meras consequências da sua finalidade inicial, fazer-nos sentir algo.

Tal como na arte, as decisões que constroem aos poucos a teia da nossa vida, são apenas simples repercussões de algo preexistente, a justiça. O bem, tal como a beleza das peças de arte, é apenas um resultado proveniente dum primeiro objetivo.

Ao longo dos tempos, a justiça tem sido um dos principais barómetros da nossa vivência. Se for justo é bom, se não for justo é mau. Prisões foram construídas, constituições foram escritas e tribunais foram povoados por juízes e advogados. Tudo isto pela noção de justiça, que ao contrário do bem, que é subjetivo e irregular de coração para coração, reside no bem comum e mesmo que difira em alguns aspetos de cultura para cultura, acaba por ter no seu núcleo um carácter universal.

Tal como em tudo na vida, também a ideia de que o bem resulta da justiça e não ao contrário, não é unânime. Um contra-argumento usado é, por exemplo, afirmar que a busca pela justiça pode ser complexa e bastante desafiadora, sendo possível, como tal, a existência de diversas interpretações sobre o que é realmente justo ou injusto em certas situações. Contudo, tal como já referi anteriormente, embora certos aspetos difiram de cultura para cultura, devido a tradições, experiências e à própria história de cada comunidade, existem uma data de princípios gerais que garantem a integridade do esqueleto da justiça em qualquer lugar, região ou ambiente. Para além disso, enquanto a justiça tem um carácter claro, o bem não tem uma definição minimamente transparente podendo assim ser facilmente confundido com outro tipo de conceitos ou até de inconscientes sensações, tais como o egoísmo. Podendo assim levar a ações “acidentalmente” más, que acabam por ser percebidas como boas. Por último, o facto da busca pela verdadeira justiça ser “complexa e bastante desafiadora” não deve, pelo menos na minha opinião, ser entendido como um ponto negativo e muito menos como um contra-argumento. Esta afirmação não deve invalidar a importância do nosso esforço em tomar decisões com os corretos ideais morais e as noções éticas adequadas, deve em vez disso ser uma motivação e um estímulo para aperfeiçoarmos as nossas abordagens.

Concluindo, gostava de mencionar uma citação de Arthur Conan Doyle: “Há ocasiões nas quais cada ser humano deve defender os direitos humanos e a justiça, ou nunca voltará a sentir-se limpo.” Concordo plenamente com esta afirmação e com isto, queria apenas consolidar a noção da importância da nossa conceção de boas decisões e mais importante que isso, o valor de aplicá-las e fazer duma grande teia delas a nossa vida. Tomem boas decisões e tal como o bem, apreciem a beleza de tudo.

                                                                                         Mafalda Maia, novembro de 2023