Just Stop Oil é um grupo ativista ambiental que se proclama como uma união não violenta e não hierárquica de desobediência civil com o objetivo de erradicar o licenciamento e a produção de novos combustíveis fósseis. Esta organização foi criada a 14 de fevereiro de 2022 no Reino Unido e desde então tem protestado persistentemente até obter sucesso.
Este grupo é muitas vezes criticado devido aos seus métodos que envolvem maioritariamente o bloqueio de estradas e vandalismo. Estes criam não só distúrbio na vida quotidiana da população como levantam também questões inerentes à filosofia política relativas à desobediência civil. Isto acontece quando, por exemplo, os manifestantes, ao utilizarem a destruição de obras de arte mundialmente reconhecidas como forma de manifestar o seu ponto de vista, nos fazem refletir sobre até que ponto o seu comportamento é desejável a nível ético, cultural e político.
O conceito de desobediência civil pode ser observado em diferentes momentos da história, por todo o globo, em ações coletivas com o intuito de se defenderem as mais diversas causas. Porém, de acordo com John Rawls, um protesto só pode ser caracterizado de tal forma caso seja um movimento de contestação organizado, minoritário e persistente com o objetivo de alterar uma lei vista como injusta, pontualmente, por um número significativo de pessoas, que atue de forma não violenta e aceite as consequências políticas das suas contestações. Normalmente, estes protestos têm início quando nenhum outro método de contestação legal teve sucesso e/ou quando o tempo de atuação disponível é escasso. Just Stop Oil não sendo exceção, começou com o objetivo de alertar a população para o perigo da utilização massiva de combustíveis fósseis e de como o governo britânico mantém o uso abusivo desta fonte de energia.
Como mencionado anteriormente, esta organização é reconhecida pelos seus atos de vandalismo que incluem colar o corpo a molduras de pinturas expostas em galarias, atirar tinta laranja a edifícios significativos, interromper momentos de cultura e eventos de desporto e atos de vandalismo contra obras de arte mundialmente aclamadas. Um dos momentos mais marcantes do Just Stop Oil foi quando a jovem ativista, Phoebe Plummer, perguntou: “O que é que vale mais: arte ou vida?” após atirar sopa à célebre pintura “Doze Girassóis numa Jarra” de Van Gogh. Esta situação faz-nos questionar até que ponto é que a justiça e liberdade dentro de um movimento de resistência civil se deve estender e até onde é que este tipo de ações são justificáveis e desejáveis como forma de chamar a atenção sobre um tema.
No meu ponto de vista, a luta por uma causa, mesmo sendo de elevada importância e urgência, nunca deve incluir a destruição de património exterior ao problema inerente. Penso que esta conduta desrespeitosa, ainda que simbólica, face aos objetos artísticos não é justificável principalmente quando o artista não apresenta ter qualquer tipo de impacto face ao problema contestado sendo o seu nome usado apenas como um meio para dar mediatismo “fácil” à causa. Tendo em consideração o quão importante é a atenção pública, durante um movimento de desobediência civil, considero que é preciso ter outros fatores em conta como por exemplo a opinião dos cidadãos que, ainda que partilhando os mesmos pontos de vista, se sentem constrangidos e acabam por não apoiar o projeto. Acredito ainda que o vandalismo, ao dar uma conotação negativa ao protesto, desvia a atenção da causa inicial, levando o foco do debate para a conduta dos ativistas e deixando de dar ênfase ao problema central.
Em síntese, penso que os movimentos de desobediência civil são politicamente corretos apenas até um certo ponto, pelo que não apoio a lesão de arte em nome de um problema que lhe é alheio. A meu ver, não é eticamente correto um artista ter a sua arte destruída nem o público, que somos nós todos, ser privado de obras que proporcionam beleza e qualidade de vida espiritual.
Beatriz Felizardo, novembro de 2023
Responsabilidade Ambiental: Filosofia e Mudanças Climáticas
O tema das
mudanças climáticas tem vindo a ganhar cada vez mais fama, porque cada vez mais
a ciência indica uma ligação direta entre as ações humanas e as transformações
no clima global. Neste texto, procuramos explorar filosoficamente a ideia de
que as alterações climáticas e as suas causas podem limitar os direitos e
liberdades das gerações futuras, examinando os aspetos filosóficos envolvidos
na responsabilidade das atuais gerações perante estas mudanças.
No centro desta
argumentação filosófica está a ideia de que os direitos e liberdades
fundamentais das gerações futuras estão diretamente ligados ao ambiente em que
vivem. A tradição filosófica ambientalista, destaca a importância de uma ética
orientada para o futuro, que reconheça o valor intrínseco da natureza e busque
preservar as condições que tornam possível a existência humana. Ao
considerarmos as alterações climáticas como resultantes das ações humanas,
podemos argumentar que não nos importarmos com a redução dos impactos
ambientais é prejudicar o ambiente que as gerações futuras herdarão. Este
problema não só limita o acesso a recursos naturais essenciais, mas também cria
condições de vida adversas, comprometendo a saúde, a segurança e a qualidade de
vida das futuras gerações.
A filosofia dos
direitos humanos diz-nos que as alterações climáticas representam uma limitação
aos direitos fundamentais. O direito à vida, à saúde e à liberdade são afetados
quando o ambiente natural essencial para sua garantia é degradado. Além disso,
o princípio da equidade entre as gerações, presente em várias correntes éticas,
destaca a obrigação moral de considerar o impacto das nossas ações nas gerações
futuras.
A abordagem
utilitarista também se alinha com esta perspetiva, ao ponderar as consequências
a longo prazo das decisões presentes. A maximização da felicidade para as
gerações futuras ficará comprometida se as alterações climáticas não forem
enfrentadas de maneira eficaz, uma vez que o meio ambiente desempenha um papel
crucial na determinação do bem-estar humano.
Em resumo,
fundamentar filosoficamente que as alterações climáticas e suas causas
representam uma limitação aos direitos e liberdades das próximas gerações é uma
tarefa que que podemos, simultaneamente, justificar recorrendo a correntes
éticas diferentes. Desde a perspetiva ambientalista até à abordagem dos
direitos humanos e ao ponto de vista utilitarista, a argumentação filosófica
conduz-nos à ideia de que a responsabilidade em garantir um ambiente
sustentável não é apenas uma questão prática que assegurará os interesses de
sobrevivência das populações, mas é também uma obrigação moral face à
humanidade.
Perante os desafios globais impostos pelas mudanças climáticas, acho é importante adotarmos uma postura ética e responsável em relação ao meio ambiente, pois isso muda a nossa vida e também a das gerações futuras. Acho também que a filosofia desempenha um papel crucial ao dar-nos as justificações de natureza moral necessárias para orientar a ação coletiva que precisamos de desencadear para podermos ter um futuro sustentável e equitativo em termos geopolíticos.
Gritos de socorro
Em Portugal, no ano de 2022, foram mortas 28 mulheres, das quais 22 em contexto de intimidade. Será isto um alerta para a situação das liberdades e dos direitos dos portugueses? Talvez estes números sejam considerados comuns nos dias de hoje. Se assim for, será que este comum a que nos fomos habituando é o correto?
Falarei no caso
específico de Portugal, mas primeiro penso que devíamos atentar nalguns dados
globais sobre este mesmo assunto. Segundo a UNODC (United Nations Office of
Drugs and Crime), no ano de 2020, cerca de 47.000 mulheres em todo o mundo
foram mortas por parceiros íntimos ou outros membros da família. Isto significa
que, em média, uma mulher é morta por alguém da sua própria família a cada 11
minutos. Ao analisarmos mais profundamente, pelas taxas de homicídio por
parceiro íntimo/ relacionado à família por 100.000 habitantes femininos, o
continente mais problemático é a África, seguido da Oceânia, das Américas, da
Ásia e por último, da Europa.
Ora, ao recebermos esta e
outras informações que nos chegam diariamente, há uma tendência para se pensar
que Portugal apresenta valores razoáveis, pois, fora da Europa, a situação é
muito mais grave. No entanto, o facto de haver pior, não significa que se
esteja bem, muito pelo contrário. Mesmo que se considere os dados relativos a
Portugal como reduzidos, estes não deixam de representar apenas o extremo. Só
vemos a ponta do iceberg e só nos apercebemos do seu verdadeiro tamanho quando
colidimos com ele.
Estas 28 mulheres de que
falamos, perderam a vida, mas quantas mulheres sofrem todos os dias física e
psicologicamente? Quantas mulheres terão de perder a vida para nos darmos conta
de tantas outras que passam por situações de violência e abuso diariamente?
É necessário haver uma
maior sensibilização quanto a este assunto, pois sinto que se trata de uma
situação banalizada, quando não o devia ser. Além disso, é difícil sair de um
caso de violência ou de abuso, devido a vários fatores, como psicológicos,
sociais ou até financeiros, mas principalmente, por o agressor ser alguém por
quem a vítima tem, ou pelo menos teve, tanto carinho.
Considero a violência de
género, doméstica ou no namoro (e na verdade, qualquer outro tipo de
violência), atos completamente injustificáveis e que devem ser, sem dúvida,
punidos. Isto porque, quer se tenha nascido homem ou mulher, nasceu-se humano
e, assim sendo, todos devíamos usufruir dos mesmos direitos e liberdades, desde
que sejam conciliáveis com os direitos e liberdades dos outros. Assim, julgo
que a raiz do problema se prende com casos de diferença de género, como a
disparidade de salários ou a pouca representação política ou desportiva, entre
outros, que são ainda hoje, comuns na sociedade portuguesa, e que promovem a
inferioridade da mulher.
Para concluir, os dados apresentados, são um grito de socorro das mulheres portuguesas que, infelizmente, é abafado por tantos outros gritos à volta do mundo.
Sofia Rodrigues, novembro 2023
Até que a morte nos separe
(Uma reflexão sobre a Violência Doméstica em Portugal)
A
violência doméstica é um problema crucial em todo o mundo. Somente em Portugal,
22 mulheres foram mortas num contexto de intimidade no ano de 2022, número que
expõe as falhas que temos na defesa das nossas liberdades fundamentais. Esta
questão marca a necessidade de uma reflexão mais profunda acerca das normas
sociais que promovem tais atos.
O
direito à segurança fica comprometido ao permitirmos que a violência persista
sem que consigamos erradicá-la ou reduzi-la visivelmente.
Ao
estabelecer um contrato social hipotético entre todos os cidadãos, o Estado tem
como dever assegurar este e outros direitos como invioláveis. No entanto, o seu
envolvimento também pode ser considerado uma invasão da liberdade individual
que reside na privacidade da vida familiar, semelhantemente à crítica que Nozick
dirige à “Teoria da Justiça” de Rawls. Ora,
no meu ponto de vista esta crítica não se aplica, já que a proteção de vários
direitos (e liberdades) também eles individuais destrona a sobrevalorização da
privacidade.
Além
do mais, é preciso conciliar uma estratégia preventiva com uma estratégia
corretiva. O Estado deveria proporcionar apoio às vítimas de violência
doméstica, em vez de se sustentar para esse efeito, em organizações privadas. Há
quem contra-argumente com a probabilidade de o Estado poder ser explorado no
seu papel assistencial. Ora, penso que não se justifica erradicar completamente
um sistema que beneficia o bem comum, pelo receio de que o Estado se torne
cativo das más intenções de uns poucos.
Embora
se idealize e elabore legislação repressora/dissuasora do crime público que é a
violência doméstica, nem sempre se consegue, na prática, sarar esta chaga
social. O número “22” é excessivamente alto para que se possa sentir que o
sistema judicial cumpre a sua função.
Em suma, Portugal, como muitos outros países, enfrenta desafios na identificação das causas elementares da violência doméstica. Fatores socioeconómicos e expectativas culturais, que reproduzem geracionalmente normas antiquadas nas relações de género, desempenham um papel vital na formação de atitudes e comportamentos dentro das relações interpessoais. A sua permanência contribui para desequilíbrios de poder, sustentando inúmeros ciclos de abuso. Posto isto, o preconceito e a falta de sensibilização afastam frequentemente as vítimas de procurar ajuda, sendo necessárias iniciativas educativas para contrariar estes preconceitos destrutivos de indivíduos e de famílias.
Gonçalo Guimarães, novembro de 2023
“(des)ordenado”
O problema que venho
expor e abordar foi noticiado pela TSF (Rádio Notícias) no passado dia 18 de
outubro. Após indagação sobre o assunto, chegou-se à conclusão de que, neste
momento em Portugal, as mulheres ganham, em média, menos 16% do que os homens.
Quando questionada relativamente à justiça desta realidade, não ponho sequer
“em cima da mesa” a hipótese de ser de facto justo ou sequer aceitável. Na
verdade, pensei durante muito tempo, se calhar por meio de uma certa inocência,
que era uma verdade absoluta - e até senso comum! - que não seja de facto
justo.
No entanto, não é este o
paradigma com que me deparo, não só a nível nacional como no mundo em geral, e,
não querendo invalidar o direito de opinião de qualquer indivíduo, tentarei
desta forma justificar a minha posição. Vejamos, – e este exemplo é recorrente
na vida das mulheres portuguesas – trabalham, na mesma empresa, um homem e uma
mulher. Prestam serviços idênticos com uma eficácia idêntica. No entanto, o
homem recebe mais 10% (exemplo não calculado) do que a mulher, pelas mesmas
horas de trabalho. Realmente, para mim basta este cenário para que não me
pareça justo ou aceitável mas é possível simplificá-lo, de forma que aqueles que
não partilham esta linha de pensamentos se encontrem “encurralados” por lógica
básica. Imaginemos que são dois homens a trabalhar nessa mesma empresa, e que a
situação é a mesma em termos de serviços, qualidade, eficiência, e horas de
trabalho. Recuso-me a acreditar que alguém consiga encontrar uma explicação
plausível para que um deles receba uma remuneração superior ao outro.
E aqui é que encontramos
a questão a que parece impossível responder: porque é que todos parecem
considerar descabido que aconteça entre dois homens, mas nem todos consideram
totalmente inaceitável que o mesmo aconteça entre indivíduos de sexo oposto? Serão todos uns fanáticos por
biologia, que tenham chegado a uma conclusão à qual os melhores investigadores
do mundo nunca chegaram? Será que acreditam que um cromossoma afeta a forma
como um ser humano deve ser tratado? Será que, nas suas mentes fechadas e
conservadoras, lhes pareça o fim do mundo que uma mulher, quando lhe é dada a
oportunidade, seja capaz de não só chegar aos pés do homem, como de muitas
vezes ter um sucesso superior a este? Será que é a fisionomia que os incomoda, ou
é uma palavra num cartão de cidadão que tira às mulheres toda a sua capacidade
de trabalho merecedor de respeito e de justiça? Há muitas mais opções de resposta
à primeira pergunta colocada, mas nenhuma é apropriada. Nenhuma faz sentido à
luz do século XXI, onde a igualdade é tópico de discussão assíduo.
Assim sendo, e tendo
clarificado o porquê de ser algo inaceitável e imperdoável, chegamos à segunda
pergunta proposta neste texto: devia a autoridade para as condições de trabalho
publicitar os nomes das empresas que praticam esta discriminação?
A meu ver, sim. Vejo a
questão da desigualdade na remuneração como uma conduta fraudulenta. Não estou
a querer dizer que deviam ir a tribunal as empresas, porque acredito – com
muita pena - que os tribunais desde país não chegariam para tantos casos e
existem assuntos de gravidade mais acentuada a ser debatidos pelos mesmos. No
entanto, ao serem publicitadas estas discriminações, as pessoas começam a
informar-se e, apesar de tudo, a acreditar no que leem, porque muitas vezes os
números sem “rosto” não lhes são suficientes. Além disso, as próprias empresas
ficariam sujeitas a uma pressão social muito maior, e estou certa de que isso e
a procura de uma boa imagem para a marca as faria mudar, mesmo que aos poucos.
Apenas como nota
conclusiva, peço àqueles que não se encontram convencidos para imaginarem isto
ao contrário: uma realidade onde os homens tivessem sido oprimidos durante anos
a fio, e impedidos de ter liberdades e direitos iguais aos das mulheres; quando
finalmente começassem a progredir socialmente e a poder viver uma vida mais
livre e independente, a opressão nunca mais terminava. A opressão
disfarçava-se, continuava a ver-se todos os dias em quantidades menores do que
anteriormente, mas continuava, sempre. Parece-vos absurdo, eu sei.
Íris Redentor, novembro de 2023
Sistema público de saúde? Porquê? Uma lista de razões…
Primeiramente,
é importante ressaltar que a saúde é um direito básico de todos os seres
humanos, não apenas pela questão ética (o direito individual de preservarmos a
vida e a integridade física e psicológica) mas também pela necessidade de a
sociedade, através do Estado, garantir a igualdade de oportunidades e o acesso
equitativo aos serviços de saúde. Ora, um sistema público de saúde é a única
forma de garantir que todos os cidadãos, independentemente da sua condição
socioeconómica, tenham acesso a serviços médicos e cuidados básicos. Isso
inclui desde exames preventivos, vacinação, consultas médicas, tratamentos e
internamentos hospitalares.
Além
disso, um sistema de saúde que seja público /coordenado pelo Estado é a melhor
forma de lidar com problemas de saúde pública que afetam a sociedade como um
todo. Doenças contagiosas, epidemias e até mesmo pandemias podem ser mais
facilmente controladas através de um sistema público de saúde que seja capaz de
fornecer tratamento adequado a todos os cidadãos, independentemente de sua
condição financeira.
Outro
importante aspeto é que um sistema público de saúde é mais eficiente no
controle de custos. Com a capacidade de utilizar recursos públicos de forma
planeada, é possível negociar preços mais baixos para medicamentos,
equipamentos e serviços médicos em geral e, além disso, pode investir em
programas de prevenção de doenças e promover uma maior conscientização sobre os
hábitos de vida saudáveis, reduzindo assim os gastos com tratamentos médicos e
hospitalares.
É
claro que um sistema público de saúde enfrenta desafios como financiamento
insuficiente e problemas de gestão, mas isso não é motivo para negar a
importância de sua existência. Os problemas enfrentados devem ser encarados
como oportunidades de melhorar e aprimorar o sistema, em vez de justificar sua
inexistência.
Outro
ponto muito importante é que se os cidadãos pagam impostos que devem ser
utilizados para lhes garantir condições básicas de existência então penso ser
consensual que a saúde uma delas, se não mesmo a primeira.
Em
suma, um sistema público de saúde é fundamental para garantir o direito à vida
e à saúde de todos os cidadãos e considero que é uma responsabilidade do Estado
fornecer um sistema acessível, eficiente e de qualidade, pois isso não apenas
beneficia os indivíduos, mas também contribui para a melhoria da sociedade como
um todo.
Miguel Lameiras, novembro de 2023
O Estado como um agente promotor de uma vida digna para todos.
A questão formulada é se o voluntariado e as instituições caritativas
serão a resposta adequada para a desigualdade social ou serão apenas uma
maneira de desviar a atenção da ineficiência do Estado perante os problemas do
país?
Será que instituições de iniciativa privada como C.A.S.A., AMI e outros,
deveriam o acesso à alimentação e aos bens-essenciais, por exemplo, dos
sem-abrigo ou devia ser o Estado a assumir a obrigação de assegurar as suas
necessidades?
As ações para a satisfação de necessidades básicas dos sem-abrigos
englobam a disponibilização de cantinas sociais, refeitórios, balneários,
acesso a tratamento de roupas e higiene pessoal, acesso a medicação, apoio em
vestuário, mas também a intervenção das equipas de rua e apoio financeiro, e a
maior parte destes apoios são garantidos por estas instituições.
Um
dos temas mais discutidos atualmente - o aumento do custo de vida não
proporcional aos rendimentos é um dos principais fatores para o aumento a que
assistimos de pessoas sem-abrigo. Estes até podem trabalhar e/ou ter
rendimentos, mas não o suficiente para pagar, por exemplo, a habitação, o que
os faz viver nas ruas. Os EUA são atualmente considerados um dos países mais
ricos do mundo, mas mesmo nos países como este, verifica-se um grande número de
pessoas sem abrigo (cerca de meio milhão de pessoas) ou de pessoas que estão em
risco de ficarem sem abrigo, porquê? O crescente custo de vida nas economias em
ascensão, combinado com a escassez de habitações tem levado cada vez mais
pessoas a verem-se sem casa. Mas, também problemas psíquicos (alguns
desenvolvidos durante a sua vida como os vícios no álcool, drogas e etc.) já identificados
em pessoas sem-abrigo, são os principais causadores da falta de competências em
controlar subsídios que possam vir a receber e até em organizar as suas
próprias vidas. Neste aspeto, enquanto não se tratarem os problemas mentais,
não se resolve o problema de muitos dos sem abrigo.
Assim,
penso que devem ser garantidos, por parte do Estado, apoios sociais, ao nível de saúde física e
psicológica, acesso a habitação e trabalho, tendo em vista a superação das
dificuldades para que os mais marginalizados lutem para a melhoria da sua
qualidade de vida e se integrem na sociedade. A área da saúde inclui todas as
respostas identificadas ao nível dos cuidados de saúde primários, cuidados de
saúde mental e outros cuidados de saúde especializados. O acesso a outros
direitos sociais inclui dois tipos de apoio: apoio no acesso a prestações
sociais e apoio na regularização de documentação, respostas fundamentais não
apenas para a sobrevivência das pessoas em situação de sem-abrigo, mas também
para a sua inserção social.
Para concluir, considero que o Estado deve ter o papel principal em garantir aos desfavorecidos uma oportunidade de terem uma vida melhor, através da cobrança de impostos elevados àqueles que maior rendimento têm, redistribuindo pelos desfavorecidos através de serviços públicos como escolas, hospitais e acesso a tratamento médico Penso que não deve ser a falta de recursos a causa dos desfavorecidos não terem uma vida de qualidade como têm as pessoas que nasceram em famílias mais afortunadas, pois é injusto que fatores de que não são responsáveis influenciem as suas escolhas e o rumo da sua vida.
Nicole Soares, novembro de 2023
Heranças, Trabalho, Mérito, Tributação: como equacionar?
Será justo que heranças substanciais não paguem impostos?
Porquê? É justo que
as heranças sejam taxadas como a riqueza que é conquistada com trabalho
e mérito? Porquê?
Num Estado social, como o nosso, a herança, mediante o
seu valor monetário, e a riqueza adquirida por um indivíduo através do seu trabalho
são sujeitas a taxas e impostos. As questões inicialmente colocadas pretendem
que se reflita sobre se é justo, ou não, o Estado taxar as heranças e a riqueza
adquirida pelo trabalho.
Qualquer Estado social recorre à cobrança de taxas e
impostos como forma de distribuição equitativa da riqueza, proporcionando,
assim, semelhantes oportunidades, liberdades e direitos a todos os cidadãos. Mas isso
pode pôr em causa os valores de liberdade e igualdade.
Concordo que o Estado retire uma percentagem da riqueza de um
indivíduo que é conquistada com o seu trabalho e mérito, pois, uma vez que este
tem uma maior capacidade económica, poderá contribuir para auxiliar todos os
outros, que também pagam impostos. Como consequência, isto contribuirá para o
crescimento económico do país, já que facultará aos indivíduos com menos capacidade
económica a possibilidade de adquirir bens primários para sobreviverem de forma
digna, como o acesso a habitação, saúde, educação, cultura e lazer. Esta minha
posição é, contudo, contrariada pelo liberalismo radical, que considera a
cobrança coerciva de impostos um “roubo”, a que o Estado não tem direito, desde
que essa riqueza tenha sido adquirida de forma legal. Mas o liberalismo radical
não prevê que o ponto de partida de cada indivíduo pode não ser o mesmo
(lotaria social), por isso, o Estado deve promover as mesmas oportunidades para
todos.
Já no caso da herança, não considero justo que o Estado aplique
taxas, uma vez que, muita da riqueza herdada, já foi previamente alvo de taxas
por parte do mesmo. Por exemplo, os filhos de uma família de empresários, após
a morte dos pais, herdam as suas empresas e bens, móveis e imóveis. Quer as
empresas, quer os imóveis, quer os depósitos monetários já haviam sido
previamente taxados antes da morte dos seus titulares. Neste caso, o Estado
está a taxar duplamente, quando se trata apenas de uma transferência de
titulares de riqueza. Isto acontece porque o Estado se assume como o último
herdeiro legítimo na cadeia de sucessão de herdeiros, tendo, por isso, também,
direito a uma parte, que utilizará, à semelhança do que faz com os restantes
impostos e taxas. Contudo, isto retira a liberdade e o direito de o indivíduo escolher
os seus herdeiros, ou seja, o Estado impõe-se como herdeiro, contrariando o
princípio da liberdade igual, que se sobrepõe aos restantes: oportunidade justa
e princípio da diferença (princípios da justiça).
Concluindo, concordo que o Estado cobre impostos para promoção da
equidade, mas não concordo que o Estado se imponha como herdeiro legítimo, o
que contraria o princípio da liberdade igual, ou seja, a liberdade sobrepõe-se
à igualdade.
Pedro Silva Rodrigues, novembro 2023
Será que a reivindicação dos professores pode estar a acima
dos direitos e interesses dos alunos?
As ações de greve por parte dos professores estão a acontecer desde o início de 2023, mas será que a reivindicação dos professores pode estar acima das necessidades e interesses dos alunos?
Para começar, pretendo dar algumas noções necessárias à compreensão deste problema.
Porque é que os professores estão descontentes? O Sindicato Independente de Professores e Educadores opõe-se à medida de contratação direta de professores pelas Direções de cada escola assim como à sua vinculação nos quadros das mesmas, pois esta medida, que reforça a autonomia das escolas dando-lhes mais poder, implica que o concurso dos proponentes aos lugares deixa de fazer-se por seriação de classificações. O SIPE exige uma redução de anos de trabalho aos professores do regime de ensino de alunos com necessidades educativas especiais (36 anos de trabalho, independentemente da idade), redução da componente letiva (à medida que a idade avança), a recuperação total do tempo de serviço (congelado durante os tempos da “tróica”) e a possibilidade de o converter para fins de aposentação nos últimos escalões.
Acontece que as greves e as manifestações são direitos constitucionais, descritos no Decreto-Lei n.º 392/74, Artigo 1º (onde é descrito o direito à greve) e no Decreto-Lei n.º 406 / 74, Artigo 2º (direito de reunião, onde estão descritas as manifestações). Estes direitos não são só constitucionais, sendo também descritos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, onde, no Artigo 20º, é descrito o direito à liberdade de reunião e associação pacíficos e no Artigo 23º é descrito o direito a um trabalho satisfatório e também à possibilidade de criação de sindicatos e de filiação nos mesmos, em prol da defesa dos interesses individuais.
Mas, por outro lado, o direito à educação, também é mencionado no Decreto-Lei n.º 70/2021 e ainda na Declaração Universal dos Direitos Humanos, Artigo 26º. Este direito é, aliás, descrito pela constituição, portuguesa como “direito fundamental”. Sabemos que os direitos fundamentais são referidos como invioláveis, sendo uma das prioridades jurídicas defender os mesmos, enquanto os direitos culturais são definidos como tendo uma aplicação diferida, podendo ou não ser considerados direitos fundamentais, dependendo da situação e do direito em questão. Ora, em Portugal, o direito à educação, inserido nos direitos culturais, é reconhecido e garantido como um direito fundamental, face a qualquer situação.
Com as greves dos professores, os alunos estarão a ser prejudicados, pois não têm aulas e por isso pergunto: “Será que a reivindicação dos professores pode estar acima das necessidades e interesses dos alunos?”. Penso que não, pois os alunos não têm culpa das medidas tomadas pelos governos do país, não podendo ser prejudicados pelas mesmas. Devo, no entanto, referir a minha posição perante a existência e possibilidade de greves e manifestações como concordante pois concordo com a necessidade de exprimir descontentamento, achando que estes direitos são indispensáveis para uma sociedade democrática e desenvolvida como a nossa.
Tenho agora outra pergunta, que utilizarei como argumento para a minha tomada de posição perante este problema: “Poderão estes direitos, tanto o direito à greve e manifestações como o direito à educação, colidir?” Ou seja, será que podemos usar de um direito nosso, mesmo que este, consequentemente, prive outros de usufruírem dos seus direitos? Portanto, o que fazer nestas situações, onde o exercício do direito à greve e à manifestação por parte dos professores, priva os alunos de usufruírem do seu direito à educação?
Eu acho que os professores deveriam prezar os direitos dos alunos, já que lhes é dada a responsabilidade do futuro do país, uma vez que os alunos serão os próximos médicos, advogados, professores... Por exemplo, se os médicos fizerem greve durante meses, à semelhança dos professores, e a saúde nacional estiver comprometida, causando várias mortes, estará a ser posto em causa o direito à saúde (que é um direito fundamental, constitucional e também um direito humano). Admito que este argumento por analogia usado seja uma hipérbole e consequentemente falacioso, embora não seja, de todo, falso.
Recapitulando, na minha opinião nenhum direito pode ser violado, mas, podemos catalogar alguns direitos como fundamentais, sendo assim mais importantes. Nesta perspetiva, qualquer outro direito não fundamental que esteja a violar um fundamental “perde a força”, ou seja, se o direito à greve (direito não fundamental) estiver a violar o direito à educação (direito fundamental), então o direito à greve passa a ser um direito secundário por oposição ao primeiro, pois este não é tão importante como o direito à educação. Deste modo ninguém é prejudicado, pois as manifestações e protestos podem continuar a existir com a salvaguarda de que não irão prejudicar nenhum aluno. Sendo assim e em função das situações, admito a existência de direitos dispensáveis ou menos importantes, face a direitos fundamentais que, estes sim, não podem ser desrespeitados.
Vasco Alves, novembro de 2023
As decisões que constroem aos poucos a teia da nossa vida
Já alguma vez foram a uma
exposição? De arte, quero eu dizer... Se sim, já alguma vez saíram e se
sentiram revoltados, ou inexplicavelmente tristes, ou até, irreversivelmente
apaixonados? Bem, a verdade é que esse sentimento, essa sensação dentro de nós não
é fruto de determinada peça de arte, a peça de arte é que é fruto dessa tal
emoção que existia no seu criador e que lhe deu vida. Não foi criada com o
propósito de ser bela ou feia, pesada ou leve, grande ou pequena, todas estas
suas características foram meras consequências da sua finalidade inicial,
fazer-nos sentir algo.
Tal como na arte, as
decisões que constroem aos poucos a teia da nossa vida, são apenas simples
repercussões de algo preexistente, a justiça. O bem, tal como a beleza das
peças de arte, é apenas um resultado proveniente dum primeiro objetivo.
Ao longo dos tempos, a
justiça tem sido um dos principais barómetros da nossa vivência. Se for justo é
bom, se não for justo é mau. Prisões foram construídas, constituições foram
escritas e tribunais foram povoados por juízes e advogados. Tudo isto pela noção
de justiça, que ao contrário do bem, que é subjetivo e irregular de coração
para coração, reside no bem comum e mesmo que difira em alguns aspetos de
cultura para cultura, acaba por ter no seu núcleo um carácter universal.
Tal como em tudo na vida,
também a ideia de que o bem resulta da justiça e não ao contrário, não é unânime.
Um contra-argumento usado é, por exemplo, afirmar que a busca pela justiça pode
ser complexa e bastante desafiadora, sendo possível, como tal, a existência de
diversas interpretações sobre o que é realmente justo ou injusto em certas
situações. Contudo, tal como já referi anteriormente, embora certos aspetos
difiram de cultura para cultura, devido a tradições, experiências e à própria
história de cada comunidade, existem uma data de princípios gerais que garantem
a integridade do esqueleto da justiça em qualquer lugar, região ou ambiente.
Para além disso, enquanto a justiça tem um carácter claro, o bem não tem uma
definição minimamente transparente podendo assim ser facilmente confundido com
outro tipo de conceitos ou até de inconscientes sensações, tais como o egoísmo.
Podendo assim levar a ações “acidentalmente” más, que acabam por ser percebidas
como boas. Por último, o facto da busca pela verdadeira justiça ser “complexa e
bastante desafiadora” não deve, pelo menos na minha opinião, ser entendido como
um ponto negativo e muito menos como um contra-argumento. Esta afirmação não
deve invalidar a importância do nosso esforço em tomar decisões com os corretos
ideais morais e as noções éticas adequadas, deve em vez disso ser uma motivação
e um estímulo para aperfeiçoarmos as nossas abordagens.
Concluindo, gostava de mencionar uma citação de Arthur Conan Doyle: “Há ocasiões nas quais cada ser humano deve defender os direitos humanos e a justiça, ou nunca voltará a sentir-se limpo.” Concordo plenamente com esta afirmação e com isto, queria apenas consolidar a noção da importância da nossa conceção de boas decisões e mais importante que isso, o valor de aplicá-las e fazer duma grande teia delas a nossa vida. Tomem boas decisões e tal como o bem, apreciem a beleza de tudo.
Mafalda Maia,
novembro de 2023