Cindy Sherman em Serralves








"Untitled #96" (1981) 


Untitled #96




Cindy Sherman e Rachmaninoff


Na exposição de Cindy Sherman que visitei em Serralves, com a minha turma senti um certo desconforto, mas ao mesmo tempo senti-me intrigado, assim que vi exposto o quadro Untitled # 96”. Esta obra apresenta a artista vestida com um traje que evoca uma época passada, possivelmente, meados do século XX. A sua pose dramática e a expressão séria e concentrada do rosto criam uma atmosfera que parece invocar personagens de peças de teatro românticas. 

Se bem que mais de sessenta anos anterior à personagem fotografada, o período histórico do romantismo é conhecido por valorizar a emoção, a individualidade e a imaginação, e é representado na música pelo movimento romântico, que se desenvolveu principalmente durante o século XIX. Um dos compositores mais importantes desse período foi Sergei Rachmaninoff, cuja música apresenta uma qualidade dramática e emotiva que se conecta com a imagem de Sherman. 

Uma obra musical que me faz lembrar bastante este quadro, é o Concerto para Piano No. 2 em Dó menor de Sergei Rachmaninoff - https://youtu.be/rEGOihjqO9w. Este concerto, composto entre 1900 e 1901 é uma peça musical intensa e apaixonada, famosa pela sua execução virtuosa e pela sua melodia envolvente. A música tem uma qualidade teatral e performática que chama a atenção para a expressão individual e a emoção, evocando a mesma qualidade presente na imagem de Sherman. 

Ao ouvir essa música, podemos imaginar a figura de "Untitled #96" dançando ao som das melodias, transportando-nos para um mundo de paixão, emoção e imaginação. Ambas as obras compartilham uma qualidade poética intensa que nos leva a refletir sobre a natureza da expressão artística e da emoção humana, assim como sobre o quanto são intemporais e transversais a todas as gerações a consciência e o sentimento românticos. 

  

                           

                                                       

Tomás Maia, março 2023



 

"Untitled Film Stills" (1983)





Metamorfose, identidade e cultura popular

Cindy Sherman é uma fotógrafa e artista americana conhecida pelos seus retratos conceptuais nos quais se transforma em vários personagens / personas. Uma das suas obras que pode ser relacionada com o conceito de metamorfose é a série "Untitled Film Stills", que ela criou no final dos anos 70 e início dos anos 80. 

A série "Untitled Film Stills" consiste em 69 fotografias em preto e branco que apresentam Sherman retratando diferentes personagens femininas em várias situações cinematográficas. Nessas imagens, Sherman t


.ransforma-se em diferentes personas por meio de figurino, maquiagem e pose, confundindo a linha entre realidade e ficção. Por meio dessa transformação, Sherman explora as formas pelas quais a identidade é construída e como ela pode ser manipulada por meio da mídia e dos tropos / variações culturais. 

De certa forma, a série “Untitled Film Stills” pode ser vista como uma representação visual do conceito de metamorfose, pois Sherman está constantemente a transformar-se em diferentes personas e explorando a ideia de identidade como algo fluido e mutável. Cada fotografia da série é um instantâneo de um momento em que o sujeito está em estado de transição, passando por uma transformação de uma identidade para outra. 

No geral, a série "Untitled Film Stills" de Cindy Sherman pode ser vista como uma exploração do conceito de metamorfose, tanto em termos da transformação visual da personalidade do modelo quanto da exploração concetual da identidade e representação que sustenta o trabalho desta artista plástica. 

        Para cruzar com esta obra, podemos usar a música "As Time Goes By", de Herman Hupfeld - https://www.youtube.com/watch?v=8sjm_JcAIHw -  A letra da música fala sobre como o tempo passa e como as coisas mudam, e isso pode ser visto como uma reflexão sobre como as representações de género mudaram ao longo do tempo. Além disso, a música é um exemplo clássico da cultura popular que, como as imagens de Sherman, é capaz de evocar uma sensação de nostalgia e romance. Juntas, a obra de Cindy Sherman e a música "As Time Goes By" lembram-nos de como a cultura popular molda as nossas visões do mundo e de nós mesmos. 



                                                                                Rita Macide, março 2023



Fotografia e performance

Cindy Sherman é uma das artistas mais importantes e influentes da fotografia contemporânea.  

A obra dela, destaca-se pelo seu caráter altamente performativo, caracterizado por autorretratos que exploram questões de identidade, género, representação e poder. 

Uma das obras mais marcantes de Sherman é a série “Untitled Film Stills”, produzida entre 1977 e 1980. Nessa série, a artista criou uma coleção de imagens que evoca o cinema dos anos 50 e 60, representando cenas que poderiam ter saído de um filme noir ou de um drama psicológico. As imagens são em preto e branco e Sherman aparece em todas elas, interpretando diferentes personagens femininos. 

O que é mais interessante na obra de Sherman é a forma como ela subverte as expectativas do espectador. Em vez de se limitar a representar estereótipos femininos, Sherman cria personagens complexas, cheias de ambiguidade e contradição. Ela também desafia a noção de que a imagem fotográfica é um reflexo objetivo da realidade, criando imagens que são claramente construídas e encenadas. 

A série “Untitled Film Stills” é particularmente impactante porque aborda questões importantes em relação à representação feminina no cinema e na cultura em geral. Ao criar essas imagens, Sherman não apenas comenta sobre a forma como as mulheres são representadas na mídia, mas também questiona as próprias expectativas que temos sobre a feminilidade. 

Em resumo, a obra de Cindy Sherman é uma reflexão profunda e significativa sobre a natureza da representação e da identidade. As suas imagens desafiam-nos a repensar as nossas próprias expectativas e preconceitos em relação ao género e à aparência, abrindo novas possibilidades para a expressão artística e a compreensão da cultura contemporânea.                                                                                     

A peça musical com que sempre relaciono a arte da Cindy Sherman são Quadros de Uma Exposição de Mussorgsky.  

Tal como a arte dela, esta peça é cheia de contrastes e quando a ouço sempre que começa a variação seguinte, sinto como se as fotos dela aparecessem na minha mente. 



 

                                                                                                 Andrej Savic, em março de 2023






"Untitled #114" (1982)


Uma imagem com texto, pessoa, moldura de fotografia

Descrição gerada automaticamente 



O olhar por detrás das cortinas

 

Na coleção de obras de Cindy Sherman “Metamorfoses”, a artista põe-se no papel de várias personagens caricaturando e criticando: marcas de roupa, patrocinadores... Cindy Sherman cria cenários tanto nas suas obras como na sala onde essas obras serão expostas, preocupando-se com todos os detalhes como por exemplo a cor das paredes. 

A obra que escolhi pertence a uma coleção, toda ela exposta na mesma sala, que representa o abuso sexual e doenças sexualmente transmissíveis e a fotografia que escolhi é uma fotografia intrusa, na medida em que é a única que não apresenta explicitamente os referidos temas. E é talvez por isso que, a meu ver, esta fotografia mostra de uma maneira mais profunda e assustadora o que é ser uma vítima desses abusos.  

A fotografia deixa-me desconfortável e nervoso pelo simples facto de que a obra foi feita de maneira a parecer uma cena de filme de terror: o olhar da personagem que é neutro, mas que me suscita desespero e medo pois ela parece estar escondida atrás do que poderão ser cortinas. Esta é a obra que mais me marcou, pois critica um assunto que é muito sensível e que muitas pessoas preferem fingir que não existe, o que, no meu entender, não deve acontecer.  

Olhando para esta obra, a música que associo é a “Dance of the Knightsde Prokofiev - https://www.youtube.com/watch?v=bBsKplb2E6Q - pois cria um clima de tensão como o que vemos na obra de Cindy Sherman. Esta música parece descrever a fotografia que escolhi, pois parece relatar o que se estará a passar e o que a personagem estará a sentir. Para mim, esta peça de Prokofiev é extremamente descritiva e suscita-me um sentimento de nervosismo e ansiedade pois a música apresenta um ritmo marcado parecendo até a descrição de passos pesados e uma melodia que remete a uma tentativa de fuga. Na minha opinião, esta obra musical, narra-nos uma perseguição de um suposto homem à mulher que vemos na obra de Cindy, mas depois desta perseguição parece instalar-se um momento de otimismo e um sentimento de quem vai sair em breve desta situação aterradora, sendo de seguida novamente surpreendida por um momento de tensão ainda maior.  




                                                                                                 Vasco Alves, março 2023



"Untitled #123" (1983)


 
Uma imagem com pessoa, pousar, interior, cadeira

Descrição gerada automaticamente 




Falstaff e a esbelta cosmética da moda ...


Escolhi analisar uma fase importante de Cindy Sherman, a série Untitleds de 1983 onde a fotógrafa começa a manifestar o humor sombrio que vai, a partir daqui e cada vez mais, dominar as suas obras. Esta série marca um ponto de viragem que foi, em primeiro lugar, uma reação contra a indústria da moda que a tinha convidado para realizar ensaios fotográficos e, posteriormente, tentado modificar e suavizar os resultados. 

Nas suas fotografias de moda, como a Untitled #123 que escolhi, Sherman construiu uma crítica sarcástica à alta-costura e aos padrões que esta defende, numa oposição ao sedutor verniz dessa mesma alta-costura. Nessas fotos, a artista introduziu simulações grotescas, como dentes postiços, maquiagem exagerada e poses nada elogiosas, para diminuir a conveniência do produto, destacando a sua aparência artificial. Assim como no seu Untitled Film Stills (1977-80), Sherman investigou personagens femininas cheias de clichês roubadas de filmes de série B dos anos 1950 - a ingénua, a estrela chique, a bibliotecária sedutora - Untitled # 123 ridiculariza os maneirismos da beleza feminina defendida em anúncios de moda. Essas fotografias usam iluminação forte e brilhante e cores de alto contraste. As personagens são teatrais e exageram nos seus papéis 

Na minha opinião, estas representações pretendem gozar sarcástica e grotescamente o tipo de imagem feminina orientada para o consumo erótico e inverte os códigos convencionais de atração e elegância femininas. Enquanto a linguagem da fotografia de moda valoriza estereótipos de beleza assentes nas leveza e magreza dos corpos, de forma que as modelos parecem desafiar a gravidade, as figuras de Sherman são pesadas em corpo, aterradas ao solo. A sua falta de autoconsciência roça o exibicionismo. E elas fazem poses profissionais para mostrar roupas que exageram os seus corpos desajeitados, que são exagerados mais uma vez pela iluminação e o ângulo da mara fotográfica 

o há absolutamente nada de natural nessa resposta à esbelta cosmética da moda. Ao contrário, as imagens sugerem que a oposição ao corpo perfeito da manequim é o grotesco, e que o corpo suave e liso, polido pela fotografia, é uma defesa contra um corpo estranho, inquietante e desconfortável. A partir dessa perspetiva, a superfície do corpo, tão cuidadosamente apresentada nas fotografias iniciais, parece dissolver-se para dar vez a uma monstruosa assimetria por trás da fachada cosmética 

Após as Untitleds de 1983, a série anti-moda, as metamorfoses tornam-se mais agudas e perturbadoras. 

A ópera cómica Falstaff, de Giuseppe Verdi, inspirada na adaptação por Arrigo Boito de The Merry Wives of Windsor (As alegres comadres de Windsor) e Henry IV (Henrique IV) partes I e II, de William Shakespeare, https://pt.wikipedia.org/wiki/Falstaff_(%C3%B3pera) parece-me fazer o enquadramento musical perfeito à obra de Cindy Sherman que escolhi, em particular esta adaptação Spirto. 

A história de Falstaff resume-se a uma comédia de vingança e lição de honra. O personagem principal, cujo nome intitula a própria ópera, é um homem sem escrúpulos que usa a mentira para ridicularizar e se aproveitar de todos ao seu redor 

Do mesmo modo procura Sherman ridicularizar a indústria da moda com a série Untitleds de 1983, em que Untitled #123 é um desses exemplos, enfatizando que também ela se aproveita de todos impiedosamente. Diante disso, várias armadilhas põem Falstaff em situações de afronta e humilhação e repletas de muita confusão durante todos os três atos da ópera.  

Recorrendo a uma linguagem musical luminosa e feliz, onde transborda jovialidade, Verdi satiriza todo o século romântico, um milagre de humor sobre a desmesurada loucura humana e um tocante hino à vida, exatamente a mesma mensagem que Sherman procura passar nesta série de fotografias. 

 

           Maria Leonor Soares Pereira, março 2023 

          




"Untitled #137" (1984)




A transfiguração do (chamado) normal 


Cindy Sherman ficou conhecida pelas suas obras algo polémicas - maioritariamente autorretratos, nos quais um determinado elemento parece destacar-se pela negativa, sendo utilizados diversos materiais e acessórios com esse intuito. Esta artista consegue retratar diferentes fases da história (desde o Renascimento até aos dias de hoje), da “pop culture” e da sua evolução pessoal enquanto artista e pessoa. 

Escolhi esta obra (que tive o prazer de analisar “ao vivo e a cores” no Museu de Serralves) pelo seu significado inteligentíssimo e a abordagem escolhida pela artista na sua criação. Retrata uma mulher à qual se associa de imediato um estado de espírito pouco ou nada alegre. Faz parte dum conjunto de obras que foram pensadas como uma crítica às revistas, marcas e à toxicidade associada ao mundo da moda. Sherman apresenta um lado completamente contrastante ao que é mostrado pelos média e anúncios relativos a esse mesmo mundo, revelando uma figura de aparência mísera, indo assim de encontro com as belezas exageradas, irreais e editadas a que todos somos submetidos, seja na internet ou outros meios de propaganda. 

Estes simbolismos refletem-se nos diversos pormenores da obra, tendo cada detalhe uma característica minuciosamente planeada que nos inclina para o seu significado: as cores escolhidas – fortes, contrastantes, e apesar de tudo simples conduzem-nos para esse exagero da realidade (embora neste caso, a realidade seja deformada no sentido oposto); rosto quase desfigurado devido à maquilhagem e condições do cabelo, por exemplo; a sujidade da própria tela, representando o caos. Se conseguirmos pôr de lado todos estes exageros retratados, é possível visualizar uma mulher comum, levada ao limite pela tentativa de ir ao encontro de todos os ideais de beleza e comportamentos ligados à figura feminina.  

Associo este quadro de Cindy Sherman à peça: “Atmosphères”, de György Ligeti https://youtu.be/HNdHu2C9lSo por terem ideias semelhantes. Uma linha contínua que pode soar estranha ou anormal ao ouvinte que não lhe der a atenção necessária, mas, quando escutada com a mentalidade certa e foco nas melodias presentes, podemos identificar momentos de música mais naturais e comuns (tal como a mulher retratada) que se deformam e transfiguram no decorrer de toda a obra. 





Íris Cruz Redentor, março 2023

                                                                         



"Untitled #153" (1985)



 

Uma tragédia hipotética


A obra que eu selecionei foi composta em 1985 pela artista visual americana Cindy Sherman e, apesar da inexistência de um contexto clarificado, a ideia de que o quadro nos consegue transmitir é, pelo contrário, sugestiva e insinuante. Ao observar a sua obra de arte e ao nos deixarmos envolver pela sua criatividade e fascínio, é possível percecionar uma hipotética tragédia, uma situação anterior melodramática que se torna a causa do estado da personagem fictícia inerte num solo sujo. 

São conhecidos os efeitos que a música causa nos seus ouvintes, na maior parte das vezes intensifica as emoções que sentimos, noutras, apenas acrescenta uma ideia que começa a surgir e a vaguear por nós. 

Assim, para acompanhar a obra que escolhi, elegi o primeiro andamento da primeira Sinfonia de Brahms, Brahms - 1st symphony 1st movement, https://www.youtube.com/watch?v=Dg6lZXoRCbE uma obra rica em sonoridades e variados momentos que, tanto nos podem ativar um espírito mais agreste e hostil, como, contrariamente, uma acalmia contrariamente pura. O que mais aprecio neste excerto é a capacidade de o compositor transitar entre esses momentos, começando com um tema dramático, o que me fez ser capaz de visualizar o ato em si do assassinato. Como característica comum à obra e à peça, salienta-se a agressividade neste início tão intrépido, intercalando com uma parte de certo modo fleumática, direcionando o pensamento e a imaginação a um período de introspeção e retomando, de seguida, o tema um pouco alterado. Por fim, seguindo com um desenvolvimento mágico que, quase instantaneamente, me entregou à reflexão do que teria sido a vida daquela personagem agora morta, estendida no chão imundo e vítima de um ato terrível.  

A artista plástica recorreu a elementos artificiais de forma a encenar o personagem que tinha em mente e isso foi algo que eu admirei, o facto de se fotografar a ela própria e ser capaz de encenar as suas ideias. Isso esteve presente nesta obra e, no meu ponto de vista, a criatividade de Sherman enriqueceu o seu trabalho: a peruca notoriamente falsa, as substâncias que a cobrem, as cores artificiais da sua face, entre outros.  

Para concluir, a obra fez-me sentir um conjunto de vastos sentimentos e, simultaneamente com a peça que escolhi, construíram um ideia e mensagem em mim que me fizeram pensar que, de facto, as artes estão ligadas e podem unir-se para se fortalecer, pois, em conjunto, sustentam emoções inigualáveis.  

 

 


Leonor Claro Teixeira, março 2023


                                                                                     


"Untitled #205" (1989)

 

Uma imagem com pessoa

Descrição gerada automaticamente 




A mulher como um mero objeto de arte criado pelo Homem


Ao visitar as mostras de artes plásticas em Serralves de Cindy Sherman e de Paula Rego, as obras da primeira artista suscitaram-me rapidamente um grande interesse e curiosidade sobre a mesma, pois a guia havia-nos informado de que todas as suas peças não tinham título e eram todas fotografias que a autora protagoniza e tira. 

As obras demonstram um caráter muito único, pois nelas está implícito o feminismo e o quanto as mulheres eram utilizadas como um mero objeto às mãos dos homens. Algumas delas mostram também o empoderamento das mulheres e muitas vezes a ridicularização de corpos perfeitos que muitos artistas renascentistas tentavam tão desesperadamente recriar. 

Ao ver uma grande parte da mostra de Cindy Sherman, uma das obras originou um grande interesse em mim e provocou-me igualmente uma gigante mistura de sentimentos acerca da mesma. Tratava-se da obra “Sem título - #205”. Sob uma primeira análise, apercebi-me de que esta fotografia me fazia lembrar algo que já tinha visto e, quando a guia mencionou que se tratava de uma recriação da obra “La Fornarina” de Raphael tudo fez mais sentido. Esta pintura renascentista, retrata uma mulher quase totalmente nua, que representa a beleza do corpo ideal do Renascimento encontrando-se a mesma na posição púdica da Deusa Vénus. É evidente que, sem as informações que a guia providenciou, não conseguiria fazer esse paralelo tão distante, mas ao mesmo tempo tão próximo com a nossa realidade. A mulher representada é apenas um mero objeto da arte criada pelo homem que se encontra atrás da pintura. Por oposição, na fotografia tirada pela Cindy Sherman, ela continua seminua (mas com avental prostético quase que para simular gravidez) mas os peitos encontram-se descaídos e a sua expressão facial está como se estivesse a ser obrigada a estar ali a posar para a foto. 

Tendo em conta todos estes aspetos, a obra de Cindy Sherman faz a emancipação do poder feminino e evidencia um desinteresse provocador pelo aspecto físico anteriormente tão prezado pelos renascentistas. Demonstra desprezo pelo papel atribuído a estas mulheres de apenas posar e não poderem participar ativamente, com a sua opinião, na obra em que protagonizavam. Coerentemente, Cindy Sherman participou integralmente em tudo o que está ligado a este seu  projeto. 

Esta obra faz-me lembrar a “Marche des Contrabandiers (Carmen)” de Bizet - https://youtu.be/mv2jg8QN1j4 - uma ópera em que é uma mulher a protagonista e o foco principal da ação, assim como nesta fotografia o que se destaca é a mulher e o seu poder.  




Ana Catarina Dias, janeiro 2023

                                                                                                   


 


"Bus Riders" (1976-2000)



                

Os Pássaros

Bus Riders é uma das primeiras obras de Cindy Sherman e é sobre esta que vou refletir ao longo deste texto. Não a encarei de uma forma literal. Optei por uma abordagem ainda superficial mas carregada de importância e seriedade.

Hoje pisei uma flor. Não olhei para trás, não senti remorsos, não senti saudade, não pensei por um momento que o mundo seria um pior lugar sem ela.  

Hoje li um livro sobre um super-herói que voava. Não olhei em volta para o procurar, não pus em causa a sua inexistência, não ousei perguntar se alguém o tinha visto por aí a esvoaçar.  

Não somos mais em nada. Lá por não conseguirmos voar não quer dizer que o super-herói esvoaçante seja irreal. Hoje olhei pela janela e vi não um, não dois, mas sim dezenas de pássaros voarem tão alto como ele.  

Se pensarmos bem, somos como os pássaros. Em algumas coisas mais e em outras menos.  

Numa viagem de autocarro, senti-me um pássaro. Olhei em volta e embora mais ninguém tivesse na mão as sacas da mercearia que me pesavam, todos eram iguais a mim de alguma forma. Tal como os pássaros, todos iguais, mas todos diferentes, todos desconhecidos com um destino em comum.  

Através do tempo assombramo-nos com as mais diversas perguntas, afogamo-nos nas mais complexas incertezas e no entanto existe uma palavra que nunca, mas nunca nos larga: vida. Algo ao mesmo tempo tão constante, próximo e tão distante da nossa compreensão. Pensamos em rotina, pensamos em respostas elaboradas, escrevemos milhares de poemas, e nunca paramos porque nunca ficamos satisfeitos com as respostas que obtemos. Porquê? Para mim, nunca encontramos resposta porque nunca paramos de procurar. Não acho que a resposta esteja dentro de mil palavras, nem de grandes pensamentos, talvez o silêncio possa ser a resposta. Talvez a resposta, não esteja do outro lado do mundo, nem em grandes viagens, talvez a resposta esteja em casa, guardada num sonho que temos no escuro do nosso quarto. Talvez a resposta não esteja em grandes peças, em grandes orquestras, talvez sempre tenha estado no simples som de duas guitarras -https://www.youtube.com/watch?v=j-isYBLIC_0 

“Boa noite, eu vou com as aves.” 



                                                                                                                             

Mafalda Maia, março 2023





"Untitled #216" (1989)






Mães


A obra que eu escolhi foi esta, da autoria da artista Cindy Sherman, exposta no museu de Serralves, no Porto, na exposição chamada “Metamorfoses”.  

Aqui vemos uma mulher vestida com roupas e acessórios alusivos à realeza que está a amamentar uma criança. Cindy Sherman, nesta obra pretende realçar os estereótipos femininos utilizando retratos para que o impacto seja mais forte. 

Na minha opinião, esta obra é muito forte porque vemos a mulher com o peito à mostra, pois decerto tinha acabado de amamentar a sua criança e hoje em dia as mulheres tentam esconder os seus peitos enquanto estão a amamentar, uma vez que se sentem melhor e mais resguardadas, e se estiverem em público não irão ser julgadas. O uso das roupas da realeza, na minha perspetiva, é para sublinhar que uma mulher de mais posses, ou de uma classe social mais elevada também pode cuidar dos seus filhos e que não precisa de ninguém para cuidar deles, porque como sabemos, antigamente, na realeza havia aias para tudo e então as pessoas ficavam com a ideia de que as mulheres da realeza não sabiam cuidar dos seus filhos e eu acho que esta obra demonstra isso mesmo – a disponibilidade de todas as mulheres para a s tarefas da maternidade. 

A peça musical que escolhi para representar esta obra foi “Poet and Peasant: Ouverture” de Franz Von Suppé, porque em geral a música representa vitória e eu acho que esta obra transmite a ideia de vitória das mulheres, da independência das mesmas e de que as mulheres não podem nem têm de ser julgadas por estarem a cuidar dos seus filhos, independentemente do seu estatuto social. 




                                                                                          Marta Cardoso, em março de 2023 




Untitled #276" (1989)




Respect...


A exposição de Cindy Sherman, em Serralves, foi uma visita muito interessante pois achei que os quadros que estavam lá expostos eram muito interessantes e relatavam factos da realidade. É o caso deste quadro que se chama Dorian Gray.   

Neste quadro, está uma mulher sentada de pernas abertas, com umas meias vermelhas, com um vestido de seda e onde podemos ver os seios da mulher. 

Podemos interpretar este quadro como se fosse uma imagem de uma pessoa atual, querendo eu dizer com isso que as mulheres são livres de se vestirem como querem, têm liberdade de expressão, podem ser livres de escolher a sua sexualidade e principalmente merecem respeito enquanto mulheres. 

Eu escolhi esta música, Respect, Aretha Franklin, 1967 (Aretha’s Original version), porque acho que se adequa ao tema e à valorização da mulher e, como fala de respeito, achei-a adequada ao quadro. 

Para concluir, eu gostei mais da exposição da Cindy Sherman do que da mostra da Paula Rego, porque gostei do facto de todos os quadros da Cindy Sherman serem de mulheres e eu valorizei o facto e ela ter feito isso. Considero que ela valoriza as mulheres evidenciando no seu trabalho o respeito que elas merecem. 

 Simultaneamente e avaliando a exposição num outro ponto de vista, achei-a um bocado confusa e com demasiados detalhes. 

 



                                                                                           Beatriz Cepêda, março de 2023 




"Untitled #321" (1996)




IMG_1711.jpg

 



Máscara de mulher nua para o mundo


Numa visita de estudo ao museu de Serralves, tive a oportunidade de observar a exposição "Metamorfoses" de Cindy Sherman que tem como principal objetivo explorar questões de identidade, género, classe, cultura popular e representação visual através da utilização de maquilhagem, figurinos e cenários de forma que os seus autorretratos se tornem muitas vezes desconcertantes, para que a artista se possa transformar em uma variedade de personagens.  

Na obra que eu escolhi, podemos observar o rosto de uma mulher de olhos azuis cuja pele se encontra revestida de um tom quente. A mesma está a usar próteses para acentuar as maçãs do rosto, uma peruca do mesmo tom que a sua pele e outros elementos de maquilhagem para complementar os detalhes.  

No meu ponto de vista penso que esta imagem se assemelha bastante com o revestimento de músculos do ser humano, possivelmente com o objetivo de retratar um indivíduo de forma desprotegida e sem quaisquer máscaras e barreiras (neste caso a pele) para tentar retratar a sua verdadeira essência. Através da expressão de desconforto, medo e alerta da mulher podemos deduzir que a mesma se sente exposta pelo facto de se encontrar como que “nua” para o mundo e respetivos julgamentos que visam principalmente as mulheres 

Escolhi associar a peça musical “Pictures at an Exhibition: I. Gnomus” de Modest Mussorgsky - Numa visita de estudo ao museu de Serralves, tive a oportunidade de observar a exposição "Metamorfoses" de Cindy Sherman que tem como principal objetivo explorar questões de identidade, género, classe, cultura popular e representação visual através da utilização de maquilhagem, figurinos e cenários de forma que os seus autorretratos se tornem muitas vezes desconcertantes, para que a artista se possa transformar em uma variedade de personagens.  

Na obra que eu escolhi, podemos observar o rosto de uma mulher de olhos azuis cuja pele se encontra revestida de um tom quente. A mesma está a usar próteses para acentuar as maçãs do rosto, uma peruca do mesmo tom que a sua pele e outros elementos de maquilhagem para complementar os detalhes.  

No meu ponto de vista penso que esta imagem se assemelha bastante com o revestimento de músculos do ser humano, possivelmente com o objetivo de retratar um indivíduo de forma desprotegida e sem quaisquer máscaras e barreiras (neste caso a pele) para tentar retratar a sua verdadeira essência. Através da expressão de desconforto, medo e alerta da mulher podemos deduzir que a mesma se sente exposta pelo facto de se encontrar como que “nua” para o mundo e respetivos julgamentos que visam principalmente as mulheres 

Escolhi associar a peça musical “Pictures at an Exhibition: I. Gnomus” de Modest Mussorgsky - https://www.youtube.com/watch?v=ntZhtYxMLY0 - a esta obra por ambas serem bastante impactantes e vibrantes e por esta ter sido composta com o objetivo de ser ouvida enquanto observamos diferentes quadros de uma exposição específica, onde este primeiro andamento “Gnomus” estava associado a um quadro de uma figura assustadora de um Gnomo que me transmite as mesmas emoções de terror, medo, desconforto e inquietação que a obra de Cindy Sherman evidencia. 

        A esta obra por ambas serem bastante impactantes e vibrantes e por esta ter sido composta com o objetivo de ser ouvida enquanto observamos diferentes quadros de uma exposição específica, onde este primeiro andamento “Gnomus” estava associado a um quadro de uma figura assustadora de um Gnomo que me transmite as mesmas emoções de terror, medo, desconforto e inquietação que a obra de Cindy Sherman evidencia. 

                                                                             


                                                                          

                                                                                       Ana Gabriela Moreno, março 2023






"Untitled #357" (2000)


Uma imagem com texto, moldura de fotografia, galeria, quadro

Descrição gerada automaticamente




Boneca Assombrada


Na minha opinião, ambas as autoras que tiveram as suas mostras expostas em Serralves, no passado mês de Janeiro, fizeram um trabalho incrível na criação das peças a que tive oportunidade de assistir. Preferi, no entanto, o trabalho de Cindy Sherman e, por isso, optei por escolher uma peça desta para elaborar a minha opinião. 

Todas as obras estavam bem conseguidas sendo fantástica a maneira como, através de autorretratos, a artista nos consegue fazer passar diferentes ideias e como consegue com que a mesma pessoa pareça pessoas diferentes. Um facto curioso desta exposição é que quase nenhuma das peças tinha nome, o que acaba por dificultar a abordagem sobre as mesmas. 

Passando agora para o quadro cuja reprodução antecede o meu texto, trata-se daquele que mais despertou a minha atenção devido ao facto de se tratar de um autorretrato que faz lembrar uma boneca assustadora. Esta foi a minha interpretação sendo que a postura, a maquilhagem e a cor de cabelo me dão a sensação de que estou a olhar para uma boneca assombrada e diabólica. Na primeira vez que contactei com esta obra de arte senti-me um pouco constrangido e incomodado, tendo inclusivé dificuldade em fixar o olhar na pessoa retratada e sendo provavelmente esta primeira experiência o que me levou a escolher este retrato.  

Além de tudo, tal como todas as bonecas sombrias e assustadoras, esta parece ter também um lado misterioso mas que, com o tempo, vai sendo desocultado e se vai tornando em algo muito intenso e explosivo, sensação que me é transmitida, também através da música Swan lake (swan theme) de Tchaikovsky - https://youtu.be/9cNQFB0TDfY . Ora, esta minha comparação surge também porque, tal como acontece com estas bonecas, a música começa com um instrumento (criatura vulnerável, sozinha) mas que com o tempo passa a ser algo maior, algo forte (paralelismo que se adequa à boneca que com o tempo se torna, da mesma maneira que a música, mais poderosa). Pelo que referi, acho que esta música se adequa perfeitamente ao estado de espírito que o quadro me transmite. 




                                                                                                            Tiago Vieira, março 2023


"Untitled #397" (2000)



Ideal de mulher 

Esta obra da Cindy Sherman acaba por ser a escolhida por mim para a realização deste trabalho, mas, na realidade, as restantes obras, que se encontravam na mesma sala, no seu conjunto, pareceram-me ter um significado coletivo, ou seja, todas as obras expostas naquela sala, pareciam, na minha opinião, ter o mesmo significado. 

O significado que as referidas obras, têm para mim é que, nesta sociedade, a mulher já não tem um ideal ou um modelo a seguir, na sua aparência. Ora, precisamente, eu acho que a autora quis fotografar-se a si mesma criando vários estereótipos de mulher para afirmar essa sua opinião, que é também a minha. 

Confesso que, ao início, não entendi o facto de a autora estar a criar vários modelos de uma mulher, mas a arte, tanto plástica como performativa, é subjetiva e cada um a pode interpretar à sua maneira. 

Esta obra faz-me lembrar a Hungarian Dance No.5 de Johannes Brahms  

https://www.youtube.com/watch?v=3X9LvC9WkkQ - pois a peça começa com uma afirmação austera e com uma robustez enorme,  

Posteriormente, a peça entra numa tonalidade maior, com um esclarecimento de tudo, que se pode associar à descoberta do significado por parte de cada um. Já no fim, a peça volta ao tema inicial, voltando ao modo menor, trazendo outra vez aquele ar austero e de incerteza, que talvez se possa associar ao facto de a autora querer talvez que, mesmo após a nossa própria reflexão e esclarecimentos, continuássemos a pensar se era mesmo aquele o significado 

Por isso, acho que este conjunto de obras fotográficas contém um pequeno mistério por resolver, pois apesar das opiniões de cada um e o que significa para cada um, quem se expressou foi a autora, e só ela saberá o verdadeiro significado.  




Ricardo Eusébio, março 2023

                                                                                                   



"Untitled #413" (2003)




                                                 

Palhaços da vida real


Escolhi falar sobre esta obra pois foi das que mais gostei da exposição. 

Esta obra mostra um palhaço triste e com uma expressão de lamento. Mal eu vi esta obra a primeira coisa que me veio à cabeça foi o joker, mais precisamente o joker interpretado por Joaquin Phoenix.  

Na minha opinião esta obra está muito bem conseguida pois acho que a autora conseguiu transmitir muito bem os sentimentos que ela queria que tomassem as pessoas ao ver esta fotografia que, no meu caso, foram pena, curiosidade e acima de tudo, inquietação. E, é por causa destes sentimentos que escolhi esta música para acompanhar o meu texto: INTERLUDE-CRHISTIAN MCBRIDE TRIO LIVE AT VILLAGE VANGUARD - https://www.youtube.com/watch?v=P0Qrr4yYSiA 

Ao ver a obra senti-me intrigado pelas feições do personagem representado. Não foi a primeira vez que vi um palhaço com feições tristes e, até podemos dizer, um pouco assustadoras, mas pergunto-me porque é que muitas vezes os palhaços são representados assim, sendo, supostamente, figuras divertidas e felizes. Talvez seja precisamente por isso, por constantemente fingirem estar felizes e contentes porque tem de ser. Talvez na vida real não sejam assim e esta fotografia pode representar o verdadeiro lado dos palhaços, o lado mais vazio e obscuro destas personagens que normalmente alegram o dia das pessoas. 

Uma outra razão que me levou a escolher esta obra, foi eu achar que Cindy Sherman escolheu criar estas fotografias, representar o que as pessoas são e não o que aparentam ser, como os palhaços, em alguns casos claro. 

Este tipo de falsas identidades, que por exemplo os palhaços criam e representam no dia a dia, são demasiado comuns na nossa sociedade. Muitas pessoas tentam ser o que verdadeiramente não são só para agradar aos outros e para se sentirem melhor com elas mesmas. Eu acho que Cindy Sherman criou esta parte da exposição para, de uma forma metafórica, dizer às pessoas para serem o que realmente são.  



Miguel Lameiras, março 2023




Palhaços do cinema


Através do trabalho de fotografia no estúdio, Cindy Sherman produziu várias personagens criando um humor incerto, usando cores quentes e frias em expressões sempre misteriosas. 

A série “Palhaços“ espelha o medo criado por clássicos do cinema como no filmeJoker eIT”, com as criaturas deformadas pelo excesso de maquilhagem. As imagens gigantes, os sorrisos paralisados e cores berrantes fazem-nos antever uma atmosfera grotesca, como mais atualmente os palhaços, nos filmes, têm vindo a deixar de ser aqueles que nos fazem rir mas, ao invés, mascaram a personagem de assassino ou figura assustadora. Ou seja, a autora quis com estas obras fazer uma crítica à imagem dos palhaços criada pelo cinema.  

Mas além do objetivo da crítica associo a esta ideia assustadora das obras “Palhaços, de Cindy Sherman, a “Dança macabra Camille Saint-Saens, https://www.youtube.com/watch?v=YyknBTm_YyM  

por transmitir um estado de espírito amedrontador e tenebroso. Devido ao que exprime, penso que esta obra é relacionável com esta peça musical.  

A Dança Macabra é a obra orquestral mais executada de Saint-Saëns. Não foi, no entanto, originalmente composta para orquestra. O compositor adaptou-a de uma canção para voz e piano sobre um poema de Henri Casaleis. O poema descreve uma lenda medieval segundo a qual, na noite de 31 de outubro (dia das bruxas), a Morte - ou o Diabo - tem o poder de tirar os defuntos dos seus túmulos e fazê-los dançar até ao amanhecer. É uma história de terror, mas Saint-Saëns-lhe um tom mais leve. E assim esta ideia de terror está simultaneamente presente na obra plástica e na peça musical. 

  



Nicole Soares, março 2023

                                                              


"Untitled #418" (2004)

Cindy Sherman: clowning around and socialite selfies – in pictures | Art  and design | The Guardian 



Medo de palhaços


Esta fotografia da exposição “Metamorfoses” de Cindy Sherman, da série “The Clowns” (Palhaços), foi a que mais me tocou e impressionou. Fez-me sentir que o palhaço estava a olhar diretamente para mim. No início incomodou-me, mas logo depois tentei perceber o porquê dessa sensação e do que a imagem me quereria transmitir.  

Tal como diz no catálogo da exposição, a autora “fotografa sozinha no seu estúdio, atuando como diretora artística, fotógrafa, maquilhadora, cabeleireira e intérprete do papel a desempenhar”. Esta é uma explicação para o simbolismo dos palhaços: a transformação a que Cindy se submete a cada obra sua para ser capaz de representar um papel completamente distinto ao anterior. No entanto, penso que o que esta obra transmite vai muito mais além do trabalho da artista. 

Há pessoas com medo de palhaços. Porém, ninguém tem mesmo medo de palhaços, apenas têm medo de não saber quem está debaixo da máscara. E ninguém sabe quem está debaixo da máscara a não ser o próprio palhaço (ou a pessoa que desempenha essa figura). Somos todos palhaços e desempenhamos inúmeras atuações ao longo do dia. Eu sou a filha, a irmã, a prima, a sobrinha, a neta, a afilhada, a amiga, a colega, a aluna, a cliente, a paciente, a conhecida de vista, a desconhecida que passou por alguém uma vez na rua… Mas quem sou quando não está ninguém a olhar?  

Os palhaços não continuam vestidos com as suas roupas coloridas e não enchem balões com formas de animais quando estão sozinhos, pois não têm ninguém para entreter ou fazer rir. Tiram a maquilhagem da cara e depois? Eu, acima de tudo, penso. E como já dizia Descartes, “penso logo existo”, mas existir é diferente de ser. Acredito que quando ninguém nos olha é que realmente somos. E somos feitos de histórias, de poemas e canções. No fim de um dia inteiro a fazer papel de palhaço, é preciso descobrirmos que histórias, que poemas e que canções nos habitam realmente. Caso contrário, haverá um dia em que nos olharemos ao espelho e não nos reconheceremos sem a maquilhagem e o nariz vermelho. 

Ao ver esta fotografia pela primeira vez, lembrei-me instantaneamente da peça de Khachaturian, Masquerade - Ballet Suite - 1 Waltz - https://www.youtube.com/watch?v=nXIa86OJ04Q . Esta peça faz parte de uma peça de teatro, onde se dança uma valsa num baile de máscaras. A melodia apresentada é bastante pesada, até barulhenta e energética. Ao contrário de outras valsas conhecidas, não é uma obra leve e feliz, muito pelo contrário, oscila entre a tristeza e a alegria. Podemos relacionar estas oscilações de estado de espírito com as nossas atitudes ao longo do dia, conforme os espaços em que estamos presentes e as pessoas com quem socializamos e o nosso tempo a sós como tempo de autodescoberta. 

A mim, os palhaços não me assustam. Assusta-me a ideia de existirem tantas versões minhas perdidas nos olhos dos outros e só eu conhecer a versão original. 



Sofia Rodrigues, março 2023

                                                                  


"Untitled #474" (2008)

Uma imagem com pessoa, em pé

Descrição gerada automaticamente 




Senti-me observada pela fotografia...


Na atualidade temos o hábito de inferiorizar outras culturas que julgamos retrógradas, mais do que nunca devido à facilidade que temos de aceder a toda a informação com um simples click. Olhamos o passado com um certo desdém, criticamos as atitudes da Igreja em relação à evolução científica e a falta de conhecimento geral das populações da época. 

A Idade Média foi período caracterizado pela dependência humana de um Deus todo-poderoso, em torno do qual tudo girava, as artes, a literatura, a música, o quotidiano… 

Com o aumento da descrença numa religião de práticas austeras… outro conceito tomou o seu lugar, a crença no dinheiro. Este passou a ser a força motriz do mundo, a beleza, a arte, tudo o que fazemos e tudo o que foi, entretanto, feito teve como seu maior propósito o lucro.  

Cindy Sherman, fotógrafa e realizadora de cinema norte-americana, é notavelmente conhecida pelo seu pensamento pioneiro e controverso exposto através da sua arte extravagante. As suas ideias proporcionaram a abertura de novas linhas de pensamento para os seus espectadores e seguidores, Com o seu trabalho, Sherman quis propor que nunca parem de questionar a própria realidade.  

Na minha opinião o seu trabalho Untitled #474 representa exatamente isso, não só pela sua estética inquietante onde uma mulher que personifica a classe alta da sociedade, nos olha diretamente, como se apenas um vidro nos separasse, mas também devido à sua simbologia e pela maneira como este está inserido na exposição. Ao ver este quadro eu senti-me observada, a sua presença austera, cria em mim um sentimento de inferioridade e insignificância. Fez-me lembrar da banalidade da minha própria existência e de quão pequena sou em relação ao mundo, a um mundo não constituído por estrelas e planetas, mas por empresários e empresas que me condenam a ser quem sou. 

Este quadro encontra-se no meio de vários outros que retratam a Idade Média, os quais, devido às suas cores, texturas e temáticas, nos fazem sentir familiaridade quando os observamos, sendo que provavelmente os tomaríamos por fidedignos se não fosse a qualidade notoriamente baixa dos materiais utilizados. Creio ter sido esse o propósito de Cindy, fazer-nos não só questionar a autenticidade das fotografias como também a veracidade em si mesma do passado  

Eu escolhi como peça, para associar a esta obra pictórica, “A Sagração da Primavera” de Igor Stravinsky https://youtu.be/jo4sf2wT0wU devido à sua génese e primeira aparição pública. Stravinsky foi um compositor russo do século 20. Após a estreia do seu primeiro ballet, deparou-se com o preconceito que os franceses tinham relativamente a sua cultura, a russa, acusando-a de primitiva. Em resposta o compositor decide compor um ballet inspirado em tradições ancestrais russas. A sua obra foi considerada um escândalo na altura devido à temática, coreografia, trajes das bailarinas e composição musical. Com o choque muitos dos observadores começaram um tumulto, agindo de uma maneira quase selvagem 

Ficando assim a questão, será que somos assim tão diferentes do povo francês que acusou Stravinsky de ser bárbaro? Será que o acesso instantâneo à informação nos permitirá dizer que sabemos tudo? 



Beatriz Felizardo, março 2023

                                                 

                                

"Cover girl - Mademoiselle" (2011)



 


A imagem natural, se é que isso existe...

 

Cindy Sherman usa a arte da imagem para retratar estereótipos femininos, identidade, género e representações, nos media.  

“Metamorfoses” é uma obra com autorretratos excêntricos e impactantes aos olhos, de personagens históricas e estereótipos femininos A autora interpreta as suas personagens, torna-se o seu próprio material e também o sujeito da arte que cria. Maquilha, fotografa e desempenha o papel de diretora criativa.  

Cindy deixou-se influenciar pelas experiências e aprendizagens no mundo do teatro e da representação e a sua obra foi impactante e influente na arte contemporânea devido à sua inovação na fotografia e no autorretrato, e à crítica política e social presente na sua arte. 

Na exposição, são apresentadas obras, das primeiras até às mais recentes, não seguindo uma ordem cronológica normal, mas ainda assim apresentando a evolução da artista. 

      O primeiro conjunto de obras “Film Stills”, é executado a preto e branco. A familiaridade que emana das obras foi o que chamou a atenção do público e o que deu o ponto de partida à carreira de Sherman que tem a capacidade de nos atrair através de códigos de familiarização e proximidade. As obras retratam imagens que foram distribuídas por Hollywood na promoção de filmes, com o intuito de serem sedutoras e apelativas para o público.  

A exposição foi dividida em três grandes cenários, “A sala dos grandes mestres”, “Máscaras” e “Pastoral”. Os quadros na sala dos grandes mestres parecem pintados. Tal como em “Film Stills” é transmitida uma certa familiaridade pela aproximação a pinturas históricas, sobretudo renascentista. São bastante elaborados visualmente e convidam-nos a criar uma história para cada uma das imagens apresentadas. As fotografias estão emolduradas em dourado, penduradas na parede, passando assim a imagem de autoridade que um museu tem quando apresenta pinturas. 

Na sala “Máscara”, grande parte dos quadros representam palhaços. Estes são uma referência à representação. O palhaço é uma personagem bastante ambígua e excêntrica, o único capaz de dizer a verdade com firmeza. Acredito que aqui Cindy Sherman pretende proclamar a ideia do artista como o animador e caricaturador 

No centro da exposição existe uma secção com a representação dos media e de moda. Cindy apresenta modelos de capas de revista e fotos conceituadas em ensaios de fotografia para moda.  

Na terceira sala “Pastoral”, as obras contêm trabalho informático com a sobreposição de imagens. Também existem referências ao primeiro trabalho “Film Stills”, imagens que parecem promoções de filmes, mas agora com o retorno das mesmas personagens, mas mais velhas, isto para mostrar o efeito que o tempo tem em nós. 

“Metamorfoses” é a mostra de um trabalho fenomenal, não só pela representação da vida e do mundo que nos rodeia, da crítica apresentada na obra, mas também pelo convite para a reflexão e pela estimulação da nossa criatividade 

Nesta exposição, a minha obra favorita é Cover Girl (Mademoiselle), onde Cindy critica a imagem idealizada da mulher e os padrões nos media e na moda. É algo bastante atual e cada vez mais presente não apenas nos media, mas na vida real, uma vez que os ideais de beleza, na nossa sociedade, são muito normalizados. A obra musical que associo à obra plástica que destaquei é o “Quarteto de Cordas nº 4 de Bartók, https://www.youtube.com/watch?v=E_XNfKk-Qbs pois nesta peça a a música parece estar constantemente em mudança de “humor” devido à grande quantidade de dissonâncias, expressando quase uma sobreposição de temas. Acredito que também simboliza bem os media, os seus padrões e a rapidez com que eles mudam, evoluem e se sobrepõem à imagem natural, se é que isso existe… 



 

Luna Monteiro, março 2023 




"Untitled #613" (2019)




 Nem tudo o que parece é!


Desde pequenos fomos habituados a fazer o que os nossos pais nos mandavam ou, pelo menos a maioria de nós, a corresponder a um certo ideal, quer de hábitos, costumes ou ideologias… O mesmo acontece quando falamos de Redes Sociais. Nesta obra de arte, de que pessoalmente gostei bastante (por ser completamente diferente de todas as que vimos na exposição) Cindy Sherman dá-nos essa mesma abordagem, o que me fez remeter para o velho ditado “nem tudo o que parece é!” Ou até mesmo “as aparências iludem”.  

Observamos um homem vestido com roupas masculinas sentado num banco a olhar diretamente para a câmara, técnica designada por dag. O cotovelo está apoiado nas suas calças, e embora a personagem apresente um ar sério, essa seriedade é destruída pelas cómicas calças com imagens de gatos... Importante realçar que todo o cenário anteposto é confuso e provocante, com diferenciadas cores. 

Quando olhei para esta imagem interpretei-a de uma maneira pouco usual. Fez-me lembrar a quarentena, pelo facto de do tronco para cima estar apresentável e para baixo como quem acabou de sair da cama, o que acho que quase todos concordamos, que era o que acontecia nas aulas online ou até mesmo no teletrabalho, pelo menos para a maioria. Revela a potência de cada um e o que queremos demonstrar aos outros, a nossa melhor versão. Isso é evidente na vestimenta grandiosa, mas com as calças vemos o outro lado, um simples homem que eventualmente gosta de gatos. 

 “Ride of the Valkyries de Richard Wagner - https://youtu.be/7wUSkUXRdSY - foi a obra musical que escolhi. Esta peça é bastante misteriosa e ao mesmo tempo grandiosa e acho que se adapta muito bem à tela de Cindy Sherman. Podemos compará-las por partilharem o fator mistério e a perceção de uma realidade confusa. A grandiosidade está sem dúvida expressa na roupa da cintura para cima. Esta ópera suscita inúmeras interpretações tal como a obra #613 de Cindy Sherman.  

 



                                                            Leonor Duarte Costa, março 2023




O caos da favela e a ostentação do luxo

 

O trabalho de Cindy Sherman que escolhi é a obra “#613” (2019), uma impressão sobre sublimação de tinta.  

O fundo consiste em fotografias manipuladas que Sherman tirou durante as suas viagens a Baviera, Shangai e Sissinghurst, em Inglaterra. À frente, encontra-se um personagem masculino vestido com roupas de luxo e sentado num banco, a olhar diretamente como se posasse para uma câmara. Tem o cotovelo apoiado no joelho e o queixo sobre a mão, numa analogia com a famosa obra de Rodin, O Pensador. Apesar da expressão séria, traja umas calças estampadas com gatos, o que lhe dá um ar cómico. 

O resultado desta conjugação (plano de fundo e personagem) é uma paisagem caótica, o contraste entre a desordem e o aprumo, talvez a representação moderna de O Pensador, às portas do Inferno, do caos. 

Escolhi esta obra por ser, de todas as que observei, aquela que me provocou “menos desconforto”. Os trabalhos desta artista são intensos, realistas e impositivos, invadem-nos, dando a sensação de que os personagens nos perseguem. Também me cativou a sua exuberância de cores e forma. A imprecisão sobre o seu significado suscitou-me, igualmente, interesse e curiosidade. 

Para mim, esta obra é exuberante, não só pela sua dimensão como pelo contraste entre o plano de fundo, que faz lembrar a “organização caótica” de uma favela (representação da pobreza) em contaste com o luxo e aprumo do personagem, que exibe uma pose elitista. Trata-se da representação da cultura da imagem, da vida supérflua, do vazio. 

A peça musical que proponho, que transmite o estado de espírito suscitado pela obra, é a terceira sequência do Requiem - Dies Irae - de Mozart (https://youtu.be/0T7eMctuJLQ), pois esta música representa a ostentação e o poder que retratam o personagem central e o caos que o envolve. 





                                                                                  Pedro Silva Rodrigues, março 2023