Reflexões Contrastantes




O valor das coisas 

 

O valor das coisas nunca me foi tão claro. A verdade e a mentira sempre me foram próximas e a sua diferença tão nítida que pensar sobre ela nunca me suscitou interesse. Por vezes o alívio de acordar dum pesadelo que afinal de contas era mentira, o sabor sem emoção do pequeno almoço a uma segunda-feira, que era verdade, enfim... Catalogava assim os meus dias, contos de fadas que julgava absolutamente fantasiosos e discursos aperaltados que julgava autênticos.  

Talvez tenha sido o recente tempo chuvoso ou o espírito natalício juntamente com um bom sofá e um bom chá com mel, tudo o que sei é que comecei a pensar. Ao mesmo tempo que percebia pela primeira vez o significado de mentira e de verdade, ao "som" de cada verso de: "O Guardador de Rebanhos". Onde Fernando Pessoa/Alberto Caeiro não só nos retrata uma personagem ou uma paisagem ou um pensamento, mas também todo um mundo que nos faz refletir. Vivemos tão profundamente enraizados em bens materiais e em preocupações que, sem sabermos, a única coisa que julgamos como verdadeira é a parte pior da vida. Esquecemo-nos assim deste mundo que Caeiro retrata tão sublimemente, recorrendo apenas às raízes: aos pormenores da natureza, às sensações, à poesia, que faz tudo parecer belo, mesmo a minha antiga "verdade".  

Por isso, mesmo que o guardador de rebanhos nunca tenha guardado rebanhos e a natureza descrita nunca tenha brotado da terra, não me choca dizer que, sim, são verdade. Pelo único motivo, de que nunca foram escritos para serem levados à letra, nem para serem um retrato perfeito. É suposto eu ler sobre flores e imaginar a relva e as árvores no quintal da minha avó e ler sobre o dia tempestuoso que lhe parece suscitar o fim do mundo e imaginar o barulho da chuva que me embalava quando adormecia no sofá e só acordava de manhã, na minha cama, e sabia que alguém me tinha levado carinhosamente. Só porque as palavras não são literais, só porque os momentos não são tão banais ou só porque o pequeno pormenor de só acontecerem quando estamos de olhos fechados, acordados ou a dormir, não é a diferença entre a mentira e a verdade.  

Assim, hoje, o valor das coisas nunca me foi tão claro. O conto de fadas tem uma mensagem tão forte que me faz mudar toda a minha posição sobre o que é verdade e o que é mentira e o discurso aperaltado é apenas um conjunto de palavras caras que demonstra apenas o que queremos ouvir e não o que queremos dizer.  

Para terminar, queria apenas frisar que isto não é uma apologia do pensamento constante, pois de certa forma até concordo com Pessoa quando nos diz que "Pensar é não saber existir.". Não iria tão longe, contudo consigo compreender a ideia de que às vezes quanto mais pensamos mais matamos aquela beleza dos versos de que falava. Por isso, pensem apenas o suficiente para conseguirem ver para lá daquelas coisas materiais e daquelas preocupações passageiras e daquelas noções mal formadas sobre a verdade e a mentira. Mas acima de tudo, leiam poesia! 

                                                                                           Mafalda Maia, janeiro de 2023 


 

Ética para um jovem


Quando pensamos no nosso dia-a-dia enquanto pessoas percebemos que cada um tem a sua história de vida, os seus tormentos, as suas culpas e desculpas, as suas alegrias… Mas será justificação para praticar o que chamamos de “mal”? Serão os fins alguma vez importantes o suficiente para justificar os meios? 

Para mim, quase nada na vida era assustador, sempre fui uma criança destemida, sem receios, por exemplo, do escuro, insetos, seres extraterrestres… Ao longo dos anos a palavra “medo” foi-se alterando e os receios também, comecei a perceber o que me rodeava, do que maioritariamente os adultos falavam, o que viam nas notícias, cada uma mais assustadora do que a outra, cresci! Falavam de homicídios tremendamente violentos e assassinos que não mostravam qualquer tipo de arrependimento.  

Quando somos crianças contam-nos histórias de encantar em que existe basicamente o vilão e o herói. Nas histórias, o vilão era chamado de horrendo e com alma assombrada. Porém nas notícias não se ouve estes nomes, os vilões são caracterizados como pessoas, indivíduos, humanos! 

Ao refletir sobre o que eles faziam, as suas ações eram-me e são completamente inpensáveis mas, para eles, pareciam ter algum tipo de razão.  

Fernando Savater, no seu livro, faz com que os jovens percebam qual a verdadeira essência da ética, e em que consiste o que chamamos de bem ou mal, bonito ou feio e como estes conceitos sem qualquer dúvida se alteram dependendo das pessoas e mediante as suas experiências.  

Leonor Duarte, janeiro 2023 

 


LEIAM ESTA MENSAGEM...

ANTES QUE A QUEIMEM

 

           Apresentando um mundo distópico onde os bombeiros incendeiam livros em vez de apagarem incêndios, o livro “Fahrenheit 451” (temperatura a que arde o papel = 233 Graus Celsius), escrito por Ray Bradbury, faz-nos refletir sobre o individualismo, a violência e o nacionalismo das sociedades totalitárias.   
            A obra conta a história de Montag, um bombeiro cujo trabalho é queimar livros, assim como o edifício onde estes estão escondidos. Nesta sociedade em que todos são extremamente fúteis e obcecados por televisores brilhantes, incluindo Mildred (mulher de Montag), a posse de um livro é dos crimes mais graves que se pode cometer. Após Montag conhecer a sua vizinha Clarisse, que apresenta um forte sentido crítico, este começa a questionar-se do porquê da sua profissão, da destruição que esta causa e do poder dos livros.    
           Surpreendentemente, este livro, que foi escrito em 1953 (durante a Guerra Fria), é intemporal e um espelho da realidade dos dias de hoje. Como é sabido, a dependência de dispositivos eletrónicos é um grande problema da sociedade atual. “Fahrenheit 451” abre-nos os olhos para a quantidade de “Mildreds” que passam os seus dias sentadas em frente à televisão assistindo a lixo televisivo como telenovelas e big brothers (chega a ser irónico). “Mildreds” que se recusam a encarar o mundo real e sem poder de reflexão (nem vontade para tal). Também hoje, este vício da comunicação de massas servida em meios tecnológicos contribui para o desdém e para a desconsideração pelos livros, por grande parte da população.   
            Além disso, em regimes totalitários como o desta obra, as informações que chegam à população são manipuladas e previamente censuradas. Aliás, desde sempre que se queimaram livros como forma de censura e de defesa de verdades absolutas. Por exemplo, na China, durante a dinastia Qin (213 e 206 a.C.) livros que fossem contrários às ideologias do rei eram queimados. Estas queimas repetem-se ao longo dos anos em vários pontos do globo como por exemplo: em 1933, logo após a chegada de Hitler ao poder, foram realizadas várias queimas públicas nas praças alemãs; no Sri Lanka, em 1981, incendiaram a biblioteca pública de Jaffna, que contava com mais de 100 000 livros.   
            Mas afinal porque têm tanta importância umas folhas escritas ou impressas, cosidas e encadernadas para que tantos se importem com a sua extinção? Uma coisa é certa: a literatura forma crenças, constrói relações sociais e estabelece modelos. No entanto, questiona cada um desses pontos, incentivando à reflexão e à mudança, quando necessário.Ou seja, um livro pode ter efeitos divergentes em diferentes leitores, já que todos nós temos maneiras de pensar e pontos de vista sobre o mundo bastante distintos. Por isso, em sociedades como a do livro "Fahrenheit 451", os livros são banidos, uma vez que possuem maior poder do que o próprio regime: o do pensamento.   
            Assim, creio que devemos dar mais valor às condições em que vivemos, pois temos a possibilidade de pensar, expressarmo-nos e contribuir para uma mudança. Não podemos ser indiferentes ao que acontece ao nosso redor nem deixar-nos afetar pelos valores que os media nos impõem acriticamente. Antes, caros leitores, devem dar graças por estarem a ler esta mensagem. Lembrem-se que algures no mundo, há um livro a arder.   

                                                                                              Sofia Rodrigues, janeiro 2023