O vírus da tecnologia
Na minha opinião, os deputados devem reprovar a proposta de lei que obriga à instalação da aplicação “stay away covid”, pois esta medida seria um grave atentado à nossa liberdade individual.
Notemos que o que está aqui em questão não é a app em si, mas sim a proposta de lei. De uma maneira geral, damos permissão a aplicações como o Instagram, o Twitter e o Facebook, para acederem às nossas informações pessoais, sendo aquelas muito mais invasivas da nossa privacidade. Porém, uma coisa é uma pessoa concordar em dar os seus dados pessoais voluntariamente a uma aplicação e outra é o nosso Estado, um Estado que segue os ideais de uma democracia, obrigar os seus cidadãos livres a instalar algo no seu telemóvel. E será que é, também, democraticamente correto, eu ser interpelada por um agente policial no meio da rua e ter de desbloquear o meu telemóvel para ele verificar se tenho a app instalada ou não?
Ironicamente, ao mesmo tempo que tememos pela nossa privacidade mostramo-nos muito intrigados pelo facto de o nosso governo querer que instalemos uma aplicação que não se mostra muito eficaz. Ora, esta app não vem resolver a situação de pandemia que vivemos e tem vários defeitos, logo tem pouca credibilidade. Os nossos esforços deviam estar centrados em melhorar os comportamentos, pois há pessoas que não cumprem as regras de segurança, assim como em criar uma vacina ou um medicamento e não em obrigar os cidadãos a instalar uma aplicação que, até agora, em Portugal e noutros países desenvolvidos (onde existem estas apps há mais tempo), não se mostra decisiva no combate a este vírus.
Em suma, penso que o nosso Governo está a direcionar a sua atenção para as coisas erradas. Entendo que a pandemia traga muitas dúvidas a muitas pessoas, mas, de certeza que começar com medidas atentatórias da nossa liberdade individual não vai resolver este problema coletivo.
Nesta minha ponderação dei prioridade ao valor da “liberdade individual” que está na raíz do direito à privacidade, uma vez que acredito que liberdade e privacidade devem ser invioláveis: nunca devem ser desrespeitadas, sejam quais forem as situações concretas em que temos que escolher os caminhos a seguir. Inês Almeida, maio de 2020
Direito à privacidade versus responsabilidade social
Neste momento, a questão que surgiu é a seguinte: “é necessário ceder informação de telemóveis pessoais para combater a pandemia Covid-19?”. Nos últimos dias deram-se várias discussões sobre este assunto.
“Quem estiver disposto a pôr em causa a liberdade com o argumento da necessidade de segurança, não é merecedor nem de liberdade nem de segurança.” Tomando como ponto de partida esta citação de um dos presidentes fundadores dos Estados Unidos da América, na minha opinião, ela veicula uma filosofia egoísta e desajustada da situação em que atualmente vivemos. Ora, se formos minimamente sensatos, podemos concluir que esta é uma nova realidade para a qual ninguém estava preparado e as pessoas têm de aprender a confiar umas nas outras, da mesma forma que precisam de ser honestas com quem as rodeia.
Para mim, a cedência de informações pessoais com vista ao combate da Covid-19 é legítima, mas deve ser feita de uma forma consciente e voluntária. Cada um de nós deve, por isso, ser livre de decidir se quer ou não fazê-lo.
Um dos argumentos mais usados contra esta cedência de informação, tem sido o facto das pessoas não quererem confiar os seus dados pessoais ao Estado português com medo de uma possível e consequente venda das suas informações pessoais a terceiros. No entanto, muitas das pessoas que subscrevem este argumento criam contas online em qualquer site da internet, nos quais depositam inúmeras informações sem qualquer tipo de problema, informações essas que acabam muitas vezes por ser vendidas ou usadas contra o próprio indivíduo. Na minha opinião, no que toca à Covid-19, a revelação dos dados pessoais podia resumir-se, caso a pessoa em questão fosse diagnosticada com a doença, em fazer seguir a informação para os seus contactos próximos, dos últimos dias (escolhidos e selecionados por ela própria) e desta forma estes últimos evitariam novos contactos, prevenindo assim a propagação da doença. Como referiu António Lobo Xavier no debate da TVI24, no passado dia 22 do mês de abril, esta opção já foi testada e continua no ativo em Singapura, onde cada cidadão é livre de escolher se quer ou não descarregar a aplicação para o seu telemóvel, o que para mim é o ponto chave deste problema.
Uma outra sugestão que também causou bastante polémica foi o facto de em alguns países as aplicações estarem a ser feitas e usadas com uma espécie de localizador GPS. Desta forma, permite-se que quem controla a aplicação saiba a localização exata onde se encontra a pessoa que a descarregou para o seu telemóvel. Neste ponto, podem surgir alguns problemas, mas que têm uma solução. Vamos supor que num certo dia eu acordo (assintomática, bem de saúde e sem a presença da doença no meu organismo) e decido descarregar de livre vontade a aplicação para o meu telemóvel. Forneço alguns dados sobre mim, tais como idade, estado de clínico... e nesse mesmo dia decido ir passear à beira-mar. Apesar de gostar bastante do mar, moro numa zona rural e ligeiramente afastada da costa. Como irei saber se será ou não seguro proceder à visita à praia? Não tenho amigos que morem perto da praia, e por isso não posso contactar com ninguém para saber se o areal está muito ou pouco movimentado... mas por acaso quando acordei instalei a aplicação no meu telemóvel e através dela consigo saber como está o movimento naquela zona graças às outras pessoas que instalaram igualmente a aplicação! Não sei quem elas são porque neste caso o anonimato manteve-se, contudo consigo saber se elas lá estão ou não. Nenhuma destas ações alterou em nada a vida ou o anonimato de ninguém e esta seria uma outra solução para este tema: fornecer localizações anónimas para evitar ajuntamentos e possíveis focos de infeção. É certo que em outros países as aplicações não foram feitas com esta precaução. Em alguns locais as pessoas foram mesmo obrigadas a instalá-las nos seus telemóveis sem anonimato, como por exemplo Taiwan e Israel. Quero acreditar que, caso fosse feita alguma aplicação com o mesmo intuito aqui em Portugal, seríamos civilizados ao ponto de não proceder da mesma forma que estes dois países.
Tal como disse Pacheco Pereira no programa Circulatura do Quadrado, é certo que o Estado não tem o direito de saber certas informações sobre as pessoas no caso de estarem dentro da lei, no entanto, acho que devemos chegar a um consenso: fornecer anonimamente uma localização e um estado clínico, quando somos um elo de uma pandemia, não me parece que seja do domínio confidencial. Tudo bem que não devemos abdicar da nossa privacidade mas, neste momento, esta não pode ser posta acima da liberdade coletiva e futura de todos nós, isto é, talvez seja melhor abdicar de certos direitos individuais para que num futuro próximo tudo possa voltar à normalidade. Não se trata de o Estado nos querer pôr um “chip de identificação como usam os cães”, trata-se de uma tentativa de proteção e segurança coletivas. O recurso a tecnologias como esta poderia ser uma mais-valia para todos e para o trabalho das autoridades e dos profissionais de saúde. Sabemos que em alguns países em que foram adotadas estas aplicações, já foi possível prevenir um maior número de infetados, tendo sido mantidos seguros e, em muitos casos até, anónimos os dados dos cidadãos.
Subscrevendo o que disse António Lobo Xavier com um outro argumento a favor da cedência de informação, gostava de apresentar e reforçar a confiança que devemos ter nas empresas de telecomunicação em Portugal – MEO, NOS e VODAFONE. Como muitos sabem, estas três empresas vivem na base da preferência, da escolha e da confiança dos portugueses e por isso não podem nem vão abdicar da sua reputação. Quer isto dizer que podemos e devemos manter nelas a nossa confiança.
Por fim, gostaria de acrescentar que neste momento quem fala mais alto são os profissionais e especialistas da saúde e do governo, e não os defensores dos direitos humanos. Estamos perante uma guerra biológica e uma situação histórica na qual o importante é vencer e salvar o maior número de pessoas possível. Estivemos um mês no pior estado que um país pode anunciar, estivemos isolados uns dos outros e do resto do mundo. Muitos já não estão cá para um dia se voltarem a reunir connosco. O importante agora não é esconder onde é que estamos ou deixamos de estar, onde vamos ou deixamos de ir, se estamos ou não estamos doentes ou com quem falamos ou deixamos de falar. Muita coisa mudou e acredito que mais vá mudar. Sobre este assunto em concreto, acredito numa escolha consciente, se possível anónima e acima de tudo individual que cada um deve livremente tomar.
Maria Leonor Paiva, 22 maio 2020
Covid: um vírus biológico ou também social?
A aplicação "Stay away Covid" foi
desenvolvida para manter a população mais segura relativamente à pandemia que
decorre nos dias de hoje, visando identificar e localizar as cadeias de
transmissão e focos de contágio de forma mais prática, rápida e eficaz. No
entanto, o funcionamento desta coloca algumas dúvidas em relação à privacidade
e segurança dos seus utilizadores.
A hipótese desta aplicação ser de uso
obrigatório pelos cidadãos portugueses causou uma certa polémica entre estes, levando
à discussão de problemas como a defesa da privacidade ou a impossibilidade da
parte de muitos cidadãos de instalar esta aplicação, devido à falta de
dispositivos que a suportem, já que esta exige um dispositivo relativamente
recente, com capacidade de armazenamento e Bluetooth.
«O Estado vai oferecer telemóveis a quem não
tem condições para os comprar? Vão multar quem não tem dinheiro para comprar um
dispositivo que suporte a aplicação? E quem prefere simplesmente não usar
telemóvel no seu dia a dia? Ou quem não utiliza um smartphone? É inaceitável
que só seja possível fazer o download da aplicação a partir do iOS 13.1» Estas
foram algumas das dúvidas da população, para além daquelas relacionadas com a
privacidade dos utilizadores: «Será que os meus dados serão realmente mantidos
em segurança, ou a minha localização e as pessoas com quem eu convivo e me
cruzo na rua diariamente poderão ser dados utilizados para outros fins?». E, a
partir destas questões, já foram criadas diversas teorias pelas redes sociais e
meios de comunicação relativamente ao verdadeiro objetivo da aplicação «Será
que o fim desta aplicação é mesmo proteger-nos do Covid-19 ou será para
controlar as nossas vidas?».
Mas a questão que mais se aplica a este
tópico talvez seja, na verdade, «Será o covid19 apenas um vírus biológico ou
também social, já que causa tamanha discórdia na sociedade atual?».
Na minha opinião, a aplicação "Stay Away Covid" não deveria ser obrigatória, considerando estas questões relativas à privacidade dos utilizadores e à impossibilidade de parte destes cumprirem esta lei. E, dado que vivemos numa sociedade democrática em que cada um deve ter o direito de decidir qual será a opção mais correta a tomar, de acordo com as consequências destas e com os objetivos dos utilizadores, penso que o download desta aplicação deveria ser opcional. Creio que, assim, a população acabaria por fazê-lo, dado a situação em que vivemos e o objetivo que todos nós (penso eu) queremos atingir: o fim desta pandemia.
Ao pensar deste modo, torno-me adepta do princípio de que devemos todos procurar a maior felicidade possível para o maior número de pessoas, e penso que esta será atingida ao darmos liberdade à população para decidir se quer ou não instalar esta aplicação nos seus dispositivos com o objetivo de acabar ou controlar a pandemia visto que, já que é algo que todos queremos fazer acontecer, eu acredito que a população contribua para tal.
Matilde Oliveira Bernardo, 2020
É necessário ceder informação de telemóveis pessoais para combater a pandemia Covid-19?
O mundo em
que vivemos agora é um mundo que seria quase inimaginável há um ano. Com o
aparecimento da pandemia Covid-19, que afetou não só uma parte do nosso
planeta, mas a comunidade global, tivemos que alterar a maneira como vivemos e
interagimos com as pessoas à nossa volta: trabalhar em casa, só sair se for
estritamente necessário, evitar o contacto com qualquer pessoa fora do nosso
agregado familiar, usar máscara, etc.. Estas novas regras apareceram para
proteger todos nós e apresentam restrições à nossa liberdade (na medida que já
não podemos fazer o que quisermos tanto quanto podíamos). Mas até que ponto
podemos justificar estas restrições em nome da segurança? E porque é que o caso
da informação dos telemóveis é, na opinião de muitos, uma medida que vai longe
de mais?
Por causa do medo de transmissão do
Covid-19, surgiu a ideia de utilizar uma aplicação de telemóvel que daria ao Estado
acesso às informações sobre a movimentação e localização de cada cidadão e dos
seus contactos com outras pessoas. Em teoria, isto iria permitir ao Estado um
melhor controlo do vírus, podendo identificar e avisar as pessoas que estiveram
em contacto com alguém infetado, e evitar ou controlar a agregação de pessoas
em grupos maiores que o número permitido, verificando a partir da aplicação se
estiveram a fazer distanciamento social. Esta medida poderia ser encarada como
uma imposição legal, ou como uma opção voluntária e individual. Apesar de esta
ideia parecer, de maneira superficial, uma coisa boa (visto que o Estado
estaria a usar a nossa informação para a proteção e segurança de todos), na
prática ela implica várias realidades menos apelativas e põe em causa a nossa
liberdade individual.
No meu ponto de vista, a utilização
desta aplicação pelo Estado não seria legítima, especialmente se fosse uma
imposição legal. A informação a que o Estado teria acesso faria com que pudessem
monitorizar as pessoas com que eu falava e os sítios onde ia, tirando-me estas
medidas o meu direito à privacidade.. Ao ter estas informações acerca de todos
nós, o Estado, que é uma organização vulnerável a corrupção, teria a capacidade
de passar leis que ditam onde posso ir e com quem posso falar e depois
verificar se estou mesmo a cumprir essas leis. Estados totalitários controlam e
aprisionam pessoas por causa de onde vão e com quem comunicam e por isso, mesmo
que o Estado em que nós vivemos seja democrático, uma vez que tem a tecnologia adequada
e sabe essas informações acerca de todos nós, poderia usá-las contra nós no
futuro. Quando essa informação já é conhecida, é impossível voltar a torná-la
privada.
Uma outra opção que também poderia ser
utilizada é o uso desta aplicação só por opção voluntária (ou seja, se quiséssemos
fazer download da aplicação, poderíamos, mas não seria obrigatório). Desta
maneira estaríamos a dar informação ao Estado para, por exemplo, saber quem
contactar caso apanharmos o vírus. Esta ideia parece resolver a situação
descrita anteriormente: estamos a dar a nossa informação livremente, sem sermos
forçados. Mas ainda assim, esta “solução” apresenta problemas que não são
facilmente contornados. Nós já damos informação a sites na internet, que sabem
o nosso nome, idade, gostos e desgostos, e muito mais. Muitas vezes, nós
aceitamos os termos de privacidade sem sequer os ler, em nome da conveniência.
Estes sites e companhias podem dar (e frequentemente dão) estas informações a
terceiros, que podem usar os nossos dados de uma maneira que nós não queremos.
Assim, nós nunca sabemos realmente quem é que vai ter os nossos dados, ou para
que é que vão ser usados. As informações que daríamos a esta aplicação seriam
simplesmente mais um passo nesta direção – sabem não só quem eu sou, mas também
com quem eu comunico e onde vou.
Desta forma, eu acho que qualquer controlo de informações deste tipo por parte do Estado, até se for dada voluntariamente, não é aceitável. O artigo no. 12 da Declaração dos Direitos Humanos afirma que “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu do domicílio ou na sua correspondência”. Na minha opinião, não existe situação que justifique a violação dos nossos direitos humanos, quer exista uma pandemia, ou outra catástrofe, especialmente por parte de uma entidade com tanto poder como o Estado. Se usarmos a segurança como justificação para infringir o direito à nossa privacidade, por via dos nossos dados e dispositivos eletrónicos, estamos a comprometer o nosso ideal de liberdade. Se nesta situação admitirmos o controlo e supervisionamento dos nossos dados, movimentos e contactos então estamos a abrir o precedente de isto acontecer e ser permitido no futuro.
Roberta Bone, 2019-2020